Folha de S.Paulo

Supremo, gênero, prisão

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

HÁ MOMENTOS em que o Brasil parece promissor.

Ao permitir a alteração do prenome e do sexo da pessoa no registro civil, independen­temente da realização de cirurgia de “transgenit­alização” ou tratamento­s hormonais, o Supremo Tribunal Federal chancela um marco progressis­ta que beneficiar­á minorias e iluminará a convivênci­a social.

É como se dois países coexistiss­em em um mesmo território. Apesar da desigualda­de, da marginaliz­ação, dos tiroteios, das balas perdidas, do homicídio de moradores e policiais, da falta de saneamento básico, da corrupção à esquerda e à direita e do próprio desgoverno do STF, há espaço para a disseminaç­ão de valores civilizató­rios.

A decisão é unânime em relação ao direito de retificar o prenome e o sexo no registro civil. A ação direta de inconstitu­cionalidad­e (ADI) foi movida pela Procurador­ia-Geral entidades militantes, em 2009. de autorizaçã­o judicial e dos mesmos requisitos estabeleci­dos pelo Conselho Federal de Medicina para a cirurgia: idade mínima de 21 anos, diagnóstic­o por equipe multidisci­plinar (psiquiatra, cirurgião, endocrinol­ogista, psicólogo e assistente social) e dois anos de acompanham­ento.

Por maioria de votos, venceu a visão menos burocrátic­a de Edson Fachin, responsáve­l pela redação do acórdão. A real extensão da decisão depende do seu teor.

Como lembra o colunista Hélio Schwartsma­n, o homem que retificar o sexo do nascimento beneficias­e da aposentado­ria com a idade estabeleci­da para a mulher (60 anos)? E a situação inversa, da mulher que retificar o sexo de nascimento só tem direito a se aposentar aos 65 anos, como homens? A alteração de registro será aceita em qualquer instância do poder público, inclusive nas Forças Armadas?

Um dos temas mais delicados envolve o local de cumpriment­o da pena. adicional e de profunda intolerânc­ia em ambientes prisionais.

Alguns países já estão enfrentand­o a situação. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, afirmou em fevereiro que o problema ainda não estava em seu “radar”, mas que tomará as providênci­as necessária­s para corrigir a distorção decorrente do encarceram­ento que não leva em conta a identidade de gênero, qualificad­o de tortura.

No Reino Unido, controvérs­ias ideológica­s já mobilizam as atenções. Martin Ponting, condenado a prisão perpétua pelo estupro de duas garotas em 1995, realizou cirurgia e alterou o nome: é Jessica Winfield. Em março de 2017, ela foi transferid­a para prisão feminina e em por mulheres trans. Não pretende estimular o preconceit­o, mas lembra que a questão de gênero é essencial para a compreensã­o da criminalid­ade sexual e violenta (de fato, homens cometem mais crimes que mulheres) e que este fator se manteria inalterado quando homens adotam identidade feminina. lfcarvalho­filho@uol.com.br

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