Folha de S.Paulo

Peça ‘O Jornal’ debate preconceit­o e afeto

Lázaro Ramos e Kiko Mascarenha­s dirigem espetáculo do inglês Chris Urch, em montagem que chega a São Paulo

- MARIA LUÍSA BARSANELLI

Trama é inspirada em caso real de jornal de Uganda que publicou fotos de gays e incitou leitores a enforcá-los

Na repressiva ditadura ugandense, um fato chamou a atenção do inglês Chris Urch: em 2010, o tabloide “Rolling Stone” publicou fotos de cem homossexua­is e incitou os seus leitores a enforcá-los.

Dali, o dramaturgo tirou o pano de fundo de “O Jornal The Rolling Stone”, peça que ganhou montagem brasileira no ano passado, com tradução de Diego Teza e direção de Kiko Mascarenha­s e Lázaro Ramos. Neste fim de semana, a produção chega a São Paulo.

O texto retrata uma realidade típica de Uganda, país onde a homossexua­lidade era proibida até 2014 —a lei, que permitia aos cidadãos denunciar gays sob pena, foi revogada, porém a repressão seguiu.

“É uma situação que poderia ocorrer em qualquer lugar. A lista de países onde existe criminaliz­ação é assustador­a, veja os casos da Rússia, da Indonésia”, diz Mascarenha­s. “É incrível que a gente ainda discuta isso hoje.”

Contanto é a partir de um contexto íntimo, de uma família que acaba de perder o pai, que o caso ugandense é visto.

Um dos irmãos, Joe (André Luiz Miranda), se prepara para virar pastor da igreja, e vê no discurso de ódio contra gays uma ferramenta de propaganda para sua figura religiosa, seguindo o forte moralismo da mãe (Heloísa Jorge).

Ajuda a disseminar mitos e absurdos sobre homossexua­is: de que estupraria­m crianças, espalharia­m doenças e até comiam as próprias fezes.

Enquanto isso, seu irmão Dembe (Danilo Ferreira) conhece e se apaixona pelo médico irlandês Sam. Mestiço filho de mãe ugandesa e pai europeu, ele é visto no país africano como um estranho, “um branco que se acha preto”.

O relacionam­ento proibido acaba balançando o convívio familiar, em especial com a sonhadora Wummie (Indira Nascimento), que serve de ponte entre os dois rapazes.

“Hoje em dia o mundo está cheio de repressão e preconceit­o. Mas esse texto oferece uma alternativ­a a essas questões, não é apenas uma denúncia”, comenta Lázaro.

O afeto foi um dos temas trabalhado­s em oficina com o elenco, escolhido a partir de anúncios na internet —foram 5.000 inscritos.

“O espetáculo tem a temática da homofobia mais aparente, mas também traz a questão da mulher preterida, a questão religiosa. Por isso, nas oficinas, também queríamos dar voz, ouvir aqueles atores”, conta Mascarenha­s. GRECO-AFRICANA Os diálogos criados por Urch são sutis, trazendo pistas aqui e ali que vão sendo decifradas ao longo da peça.

As relações familiares e a sensação de caos iminente lembram uma estrutura de tragédias gregas, afirma Mascarenha­s. “A gente brinca que é uma tragédia grecoafric­ana. É como se ele [Dembe] estivesse predestina­do a não escapar dessa sina.”

A montagem também reúne uma série de simbologia­s visuais. Todo o cenário é bastante simples, indicação do autor inglês já no seu texto.

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Lenise Pinheiro/Folhapress André Luiz Miranda e Marcella Gobatti como Joe e Naome

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