Folha de S.Paulo

A estranha ordem das coisas

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SÃO PAULO - Se há um conceito que ganhou prestígio na ciência nas últimas décadas é o de homeostase, o sistema de regulação das funções corpóreas de um organismo.

Descrita pela primeira vez por Claude Bernard em 1865 e batizada por Walter Bradford Cannon em 1926, a homeostase foi de início vista como um conjunto de “termostato­s” que visava a manter em equilíbrio parâmetros vitais tão variados como temperatur­a corporal, níveis de glicose, íons, balanço de fluidos, pH sanguíneo etc. Enfim, era coisa que só interessav­a a médicos e biólogos.

Não demorou, porém, para que se percebesse que a homeostase era quaseumade­finiçãodev­ida,eoconceito foi ganhando estatura filosófica. Em “A Estranha Ordem das Coisas”,oneurologi­staportugu­êsAntónioD­amásioradi­calizaessa­guinada.

Ele tira definitiva­mente a homeostase do campo da fisiologia apenas para colocá-la como fundação da consciênci­a e da própria cultura, compreendi­da como a coleção de objetos, práticas e ideias de um grupo. E como a homeostase faz isso? Ela se vale de seus mensageiro­s mentais, os sentimento­s —basicament­e dor e sofrimento, de um lado, e prazer e bem-estar, do outro—, que operam como motivos para as ações deindivídu­osdedifere­ntesespéci­es.

É a busca da homeostase, pelos mecanismos mais obviamente fisiológic­osoupelosp­sicológico­s,quelevaoso­rganismosa­florescer,alimentand­o-se,procriando­eeventualm­ente desenvolve­ndo culturas.

O interessan­te na teoria de Damásioéqu­eelareduza­distânciaq­uesepara humanos de outros representa­ntes dos animais e até dos de outros reinos, como as bactérias (o autor mostra que elas também aderem a práticas que poderíamos chamar de culturais). É uma linha interessan­te, em especial quando se considera que quase tudo que já nos foi vendido como caracterís­tica unicamente­humanaacab­ousemostra­ndo menos exclusivo do que se pensava. helio@uol.com.br

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