Folha de S.Paulo

A guerra de mentira de Trump, o bárbaro

- VINICIUS TORRES FREIRE

TRISTEZA NÃO tem fim. Estupidez também não. Não se deve dar de barato o dano colateral que a tolice autodestru­tiva de Donald Trump pode causar. Ainda assim, parece demais dizer que a barreira americana à importação de aço vá provocar guerra comercial.

Para começar, o que seria uma guerra comercial? O comentário clichê lembra o caso dos anos 1930, quando os EUA, então um país protecioni­sta, elevaram ainda mais suas tarifas de importação, provocando retaliaçõe­s e outros danos que ajudaram a aprofundar a Grande Depressão. Mas 2018 não é 1934.

O comércio nos anos 1930 equivalia a um décimo das transações dos anos 2010 (medido como porcentual do PIB do mundo). A economia jamais foi tão mundializa­da: o volume relativo de comércio é maior e, também, cada produto é mais globalizad­o. Nos anos 1930, 60% do comércio e em geral montadas em um ou poucos países. Eram trocas entre setores diferentes de países com especializ­ação diferente (indústria versus commoditie­s).

Neste século, manufatura­s são 80% das transações. Há muito comércio dentro do mesmo setor (indústria com indústria), produtos montados a partir de partes e materiais fabricados pelo mundo. As tais “cadeias globais de valor”.

E daí? Um conflito extenso no comércio que nos anos 1930, pois a produção é ora mais entrelaçad­a de modo transnacio­nal. Essa ameaça tende a criar alianças multinacio­nais de interesses prejudicad­os, dentro dos EUA inclusive. Daí pode vir oposição política a demências adicionais de Trump.

Um exemplo rudimentar e pequeno de conexões produtivas afetadas por Trump é o caso dos aços semiacabad­os que o Brasil vende para a decrépita siderurgia dos EUA fazer produtos mais elaborados. Para fabricar aço, por sua vez, o Brasil compra carvão americano. Imagine-se então o estorvo que seria uma guerra complexa etc., feitos de pedacinhos comprados pelo mundo.

Trump alcançou alguns objetivos, decerto.

Com mais uma atitude tresloucad­a e limitada, deu satisfação a eleitores, “cumpriu seu programa”. Até agora, sua única iniciativa de impacto extenso foi arrebentar as contas públicas a fim de dar dinheiro para ricos, baixando impostos, o programa selvagem e pirata dos republican­os faz 40 anos.

Trump também deu um jeito de fazer chantagem e de continuar na sua ribalta de “bully” e cafajeste, embora não se saiba bem o que vá querer em troca. Os países prejudicad­os fazem um beija-mão discreto para se livrar da tarifa ou tentam evitar conflito maior e imediato, ameaçando no máximo ir à OMC, um tribunal quase tão ágil quanto a Justiça brasileira. contra a ordem política e econômica mundial que seu país ergueu, um império também regulatóri­o que, mesmo liberal, montou a arquitetur­a sem a qual mercados se tornam moendas mortíferas demais. Trump ignora regras e nunca sai de graça. Mas guerra comercial parece um exagero retórico. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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