Pescando o futuro pelo DNA
PARA QUEM gosta de uma boa pescaria, as águas amazônicas abrigam coisas mais interessantes do que pirarucus e tucunarés. Genes, por exemplo —fragmentos de DNA de micro-organismos aquáticos que a ciência ainda nem conseguiu identificar direito. Mesmo assim, eles podem acabar se revelando uma mão na roda para a biotecnologia brasileira.
Uma dessas histórias verídicas de pescador está contada em artigo que saiu recentemente na revista científica BBA Proteins and Proteomics. Tudo começou no lago Poraquê (aliás, nome de outro peixe amazônico, famoso por aplicar descargas elétricas em suas presas), na região do alto Solimões.
Foi lá que cientistas coordenados por Mario Tyago Murakami, do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, e Flavio HenriqueSilva, da UFSCar, coletaram amostras de água que serviriam de base para seu trabalho de metagenômica. Calma, eu já explico o palavrão. diferentes seres vivos. O prefixo “meta-”, por sua vez, refere-se à análise de múltiplos genomas que aparecem numa amostra de determinado ambiente, sem que os cientistas necessariamente saibam de qual espécie está vindo toda aquela informação.
A abordagem metagenômica é interessante, entre outras coisas, como uma primeira olhada em ecossistemas relativamente pouco conhecidos, ajudando os pesquisadores a ter uma visão geral sobre a diversidade ela também quebra outro tremendo galho, ligado à dificuldade de cultivar a maioria dos micróbios do planeta em laboratório.
Ao pescar diretamente o DNA, deixando de lado a dor de cabeça de tentar criar uma “fazendinha” de bactérias ou leveduras no tubo de ensaio, os cientistas já conseguem ter uma ideia do que aqueles organismos são capazes de fazer mesmo sem examiná-los diretamente. Feita a coleta de amostras, o passo comparada com imensas bibliotecas de genes já conhecidos: trechos de DNA já estudados e que sabidamente contêm receita para produzir moléculas de funções conhecidas.
No caso da pesquisa brasileira, a análise comparativa permitiu a descoberta de um gene possivelmente útil para as usinas de álcool do futuro. O novo gene contém a receita para a produção de uma forma de beta-glucosidase –molécula que participa da transformação da matéria vegetal em glicose (açúcar).
As beta-glucosidases são enzimas, ou seja, tesouras bioquímicas. Elas ajudam a picotar as compridas moléculas de celulose das plantas —presentes no bagaço de cana ou junto com um coquetel de outras moléculas, elas têm potencial para facilitar a produção do etanol de segunda geração, que aproveita bem mais a matéria-prima vegetal.
Muitas outras coisas de tipo podem estar escondidas na biodiversidade da Amazônia. Você ainda acha que o único jeito de ganhar dinheiro por lá é com madeira, boi e soja?