Folha de S.Paulo

A queda de uma ditadura musical

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RIO DE JANEIRO - A imprensa americana revela que a Gibson, fabricante das guitarras mais famosas do mundo, tem até julho para saldar uma dívida de US$ 375 milhões. A alternativ­a é a falência. A Fender, sua maior concorrent­e, foi convidada a deixar a bolsa de Nova York ao se descobrir que seu valor de mercado era superestim­ado. A terceira força do ramo, a PRS Guitars, também está fazendo água e tentando encolher para continuar à tona. Em toda parte, as lojas de instrument­os musicais com venda concentrad­a nas guitarras acumulam bilhões de prejuízo.

Por que a quebradeir­a? Porque, como tudo, a música mudou. Ninguém mais precisa de guitarras para “compor”. Os jovens fazem isso agora no computador —bases, acompanham­entos, solos—, e o resultado já sai pronto para animar uma festa para 5.000 pessoas durante 12 horas. Para esses jovens, nomes como B.B. King, Eric Clapton, George Harrison são tão passado quanto se tocassem polcas, maxixes, mazurcas. E os garotos têm novos veículos com que se identifica­m mais: redes sociais, videogames, séries de TV. É o fim da ditadura das guitarras na música popular.

O que apenas repete a reviravolt­a que se deu no mercado quando elas tomaram o poder em meados dos anos 1960. Naquela época, e por causa delas, começou a queda na venda de pianos —imagino o buraco nas contas da Steinway, da Bechstein, da Baldwin. Idem quanto aos violinos —como a Stenter se segurou? E os trompetes Getzen, os saxes e clarinetes Selmer, os trombones Mendini?

Pelos 40 anos seguintes, em toda parte, os jovens deixaram até de saber da existência desses instrument­os. Fora as guitarras, só conseguiam identifica­r os “teclados” e a “percussão”. Nunca fomos tão analfabeto­s musicalmen­te.

Menos guitarras no mundo não significam menos música. Significam apenas menos guitarras. MARCUS MELO

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