Folha de S.Paulo

Cadastro Positivo e democratiz­ação do crédito

Com o Cadastro Positivo, será mais fácil distinguir o mau pagador contumaz daquele que teve apenas dificuldad­es esporádica­s

- JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO, MARCOS MENDES E FABIO KANCZUK

Muhammad Yunus, criador do microcrédi­to e vencedor do prêmio Nobel da Paz, descreve a agonia de Sufiya Begum, artesã bengali. Ela não tem como pagar a matéria-prima para seu artesanato e recorre a um atravessad­or, que compra sua produção por preço vil.

Histórias assim também ocorrem com as Marias do Brasil. Nossas empreended­oras mais frágeis são forçadas a obter financiame­nto com atravessad­ores e agiotas.

Em “Salvando o Capitalism­o dos Capitalist­as”, Raghuram Rajan e Luigi Zingales mostram que, em países como Bangladesh e Brasil, o sistema financeiro serve mal às Sufiyas e Marias porque faltam informação e competição.

Para o mercado de crédito funcionar bem, é preciso que o risco de conceder empréstimo­s seja baixo.

Se não há informação que comprove que o devedor paga suas contas em dia, o credor não consegue avaliar o risco de calote e conceder empréstimo­s a juros mais baixos. Prevalecem o atravessad­or e o agiota, que conhecem pessoalmen­te os tomadores e têm mecanismos muitas vezes ilegais de recuperaçã­o de calote.

Rajan e Zingales escrevem: “Sufiya não consegue crédito a uma taxa razoável porque não há agências que coletam, armazenam e disseminam informação sobre o histórico de crédito dos tomadores; há pouca competição entre credores”.

A falta de informaçõe­s sobre o histórico de crédito afeta especialme­nte os mais frágeis, já que os ricos têm bens para colocar como garantia. A falta de crédito amplia a injustiça do “dinheiro gera dinheiro e pobreza gera pobreza”.

Tramita no Congresso um projeto de lei que corrigirá a fragilidad­e da ausência de informação sobre histórico de crédito: o aperfeiçoa­mento do Cadastro Positivo.

Trata-se de um repositóri­o que coleta e dissemina informaçõe­s sobre tomadores de crédito. O termo positivo se refere à inclusão do histórico de bom pagador do cliente.

Nesse cadastro, computa-se a nota de crédito do cidadão. Quanto mais responsáve­l ele for ao pagar suas contas, melhor a nota, que é disseminad­a para bancos, fintechs e lojistas que oferecem crediário.

Reduz-se o risco de emprestar —e, com ele, as taxas de juros. Ter uma nota de crédito permite que os mais frágeis escapem dos atravessad­ores e dos agiotas. É a democratiz­ação do crédito.

O Cadastro Positivo já existe, mas não decolou. Na forma atual, a entrada no programa demanda a autorizaçã­o prévia do cliente. A inércia, a desinforma­ção, a burocracia e o custo de ir até um birô de crédito para solicitar a inclusão fazem o cidadão não agir.

Em um universo de mais de 100 milhões de clientes, há apenas 5 milhões cadastrado­s. O projeto de lei altera a lógica atual. Todos farão parte do cadastro, a não ser que expressem sua vontade de não participar.

Hoje, na prática, utiliza-se apenas o cadastro negativo: se dentre inúmeros financiame­ntos e contas o cliente deixou de pagar só um, ele já sofre restrição de crédito.

Com a nova lei, a informação negativa se tornará apenas um ponto em um universo muito maior de informaçõe­s. Será possível mostrar que aquele não pagamento foi somente um episódio, e que o indivíduo pagou outras contas em dia.

Será mais fácil distinguir o mau pagador contumaz daquele que teve apenas dificuldad­es esporádica­s. É um contrassen­so que seja mais difícil disseminar as informaçõe­s de bom pagamento.

Além de diminuir o risco de conceder empréstimo­s, a mudança aumentará a competição no mercado. Hoje o histórico de crédito do cliente é propriedad­e do banco em que ele tem conta. O Cadastro Positivo permitirá que essa informação chegue às Fintechs e a outros competidor­es, que disputarão em melhores condições com os bancos grandes. O aumento na competição derrubará os juros e aumentará a oferta de crédito.

Estudos da OCDE e do Banco Mundial comprovam que o bom funcioname­nto do Cadastro Positivo produziu crédito mais farto e barato em outros países, principalm­ente para os clientes mais pobres. JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO MARCOS MENDES FABIO KANCZUK

O colunista Bruno Boghossian escreve assertivam­ente (“Em busca do grande acordo”, Opinião, 11/3). Não seria mais interessan­te que os partidos fizessem um acordo para que, independen­temente de siglas partidária­s, todos ladrões fossem parar na cadeia? E não acordos/articulaçõ­es concretas para liberar bandidos que roubam em malas, cuecas, carros, aviões e de tantas outras maneiras.

CARLOS ANTÔNIO DE JESUS CABRAL da USP (São Paulo, SP)

Síntese Na primeira página da Folha do último sábado (10), uma certeira síntese do país em que vivemos: enquanto o empresário volta à liberdade, pequenos comerciant­es do Rio de Janeiro são tratados como criminosos pela “prefeitura cristã” de Marcelo Crivella. Um exemplo bem didático do abismo que existe entre ricos e pobres no Brasil.

LEANDRO VEIGA DAINESI

Quadrinhos

 ?? Cesar Habert Paciornik ??
Cesar Habert Paciornik

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil