Oferta de criptomoeda entra na mira da CVM
Num movimento que ainda esbarra na falta de regulação, empresas criam suas próprias moedas para financiar projetos
Para especialistas, só lançamentos que dão direito a participação societária estariam sob supervisão da autarquia
Na onda do bitcoin, várias empresas estão criando e vendendo suas próprias moedas virtuais para financiar seus projetos, em um movimento que esbarra na falta de regulação desse novo mercado e na pouca proteção para investidores que injetam recursos nessas companhias.
Os chamados ICOs (ofertas iniciais de moedas, na sigla em inglês), que giraram US$ 5,6 bilhões em 2017, começam a chegar ao Brasil, ainda que de forma tímida.
Mas, assim como aconteceu com o bitcoin, já foi o suficiente para atrair entusiastas de criptomoedas e chamar a atenção de reguladores.
Desde outubro de 2017, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários, responsável pela supervisão do mercado de capitais) tem lançado comunicados alertando sobre riscos desse tipo de oferta.
No mais recente, afirmou que não são todos os ICOs que estão sujeitos à regulação da autarquia, somente os que caracterizariam uma oferta de valores mobiliários, como ações de empresas.
A definição é importante porque essas moedas podem ter funções diferentes —dar direito à participação societária no negócio ou apenas à utilização de serviços ou produtos.
As ofertas do primeiro grupo se enquadram no que a CVM considera valores mobiliários.
A moeda é emitida e, depois de encerrado o ICO, dá direito a uma participação na empresa, nos resultados ou no desempenho futuro da companhia.
“Cai como uma luva na definição de valor mobiliário”, afirma Renato Ximenes, sócio do escritório Mattos Filho.
No segundo grupo, as ofertas funcionam como uma pré-venda. Ajudam a financiar a empresa, e o investidor recebe de volta o direito de usar um serviço ou produto no futuro. Isso fica fora da competência da CVM, afirma Ximenes. BRECHAS Mesmo as moedas que são criadas para dar acesso a serviços e produtos podem atrair pessoas interessadas em lucrar com a valorização potencial delas. Na avaliação de Guilherme Potenza, sócio do Veirano Advogados, é possível que a CVM também olhe esses casos com atenção.
“As moedas não dão expectativa de rentabilidade, mas o que a maioria espera quando compra é justamente o retorno financeiro”, diz.
Para ele, a criação de um mercado secundário, ou seja, em que investidores revendessem as moedas em busca de lucro, poderia ser passível de regulação pela CVM.
“Quem cria o secundário são os detentores da moeda. Se você não proibir, permitido está. A CVM não consegue evitar”, diz Potenza.
“Se a gente estudasse na minúcia, a CVM poderia entender que o secundário leva a uma expectativa de retorno e à criação de um valor mobiliário. A previsão, no whitepaper [espécie de prospecto], de que a moeda não pode ser usada no secundário seria suficiente para mostrar que não há a intenção de que isso seja um valor mobiliário.”
A autarquia diz que vem acompanhando as recentes inovações tecnológicas e que busca compreender seus benefícios e riscos associados.
Na prática, a CVM já deu provas de que vai intervir quando achar necessário. Isso aconteceu em outubro de 2017, com a OriginalMy.
A empresa se preparava para fazer um ICO de até US$ 5 milhões de moeda associada a serviço de autenticação de documentos pela internet, mas desistiu após receber um ofício da CVM. A autarquia tentava identificar se a companhia fazia uma oferta de valores mobiliários irregular.
Já a Bomesp teve sorte diferente. A companhia, que quer criar uma plataforma para a realização de ICOs e negociação das moedas no mercado secundário —tal como na Bolsa—, conseguiu levar à frente o lançamento da moeda niobium.
A decisão teve idas e vindas. A área técnica da CVM considerou que a moeda não era um valor mobiliário, mas o colegiado da autarquia —formado pelo presidente e por diretores— pediu diligências adicionais. No fim, acompanhou os técnicos. EXTERIOR