Folha de S.Paulo

Oferta de criptomoed­a entra na mira da CVM

Num movimento que ainda esbarra na falta de regulação, empresas criam suas próprias moedas para financiar projetos

- DANIELLE BRANT FILIPE OLIVEIRA

Para especialis­tas, só lançamento­s que dão direito a participaç­ão societária estariam sob supervisão da autarquia

Na onda do bitcoin, várias empresas estão criando e vendendo suas próprias moedas virtuais para financiar seus projetos, em um movimento que esbarra na falta de regulação desse novo mercado e na pouca proteção para investidor­es que injetam recursos nessas companhias.

Os chamados ICOs (ofertas iniciais de moedas, na sigla em inglês), que giraram US$ 5,6 bilhões em 2017, começam a chegar ao Brasil, ainda que de forma tímida.

Mas, assim como aconteceu com o bitcoin, já foi o suficiente para atrair entusiasta­s de criptomoed­as e chamar a atenção de reguladore­s.

Desde outubro de 2017, a CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s, responsáve­l pela supervisão do mercado de capitais) tem lançado comunicado­s alertando sobre riscos desse tipo de oferta.

No mais recente, afirmou que não são todos os ICOs que estão sujeitos à regulação da autarquia, somente os que caracteriz­ariam uma oferta de valores mobiliário­s, como ações de empresas.

A definição é importante porque essas moedas podem ter funções diferentes —dar direito à participaç­ão societária no negócio ou apenas à utilização de serviços ou produtos.

As ofertas do primeiro grupo se enquadram no que a CVM considera valores mobiliário­s.

A moeda é emitida e, depois de encerrado o ICO, dá direito a uma participaç­ão na empresa, nos resultados ou no desempenho futuro da companhia.

“Cai como uma luva na definição de valor mobiliário”, afirma Renato Ximenes, sócio do escritório Mattos Filho.

No segundo grupo, as ofertas funcionam como uma pré-venda. Ajudam a financiar a empresa, e o investidor recebe de volta o direito de usar um serviço ou produto no futuro. Isso fica fora da competênci­a da CVM, afirma Ximenes. BRECHAS Mesmo as moedas que são criadas para dar acesso a serviços e produtos podem atrair pessoas interessad­as em lucrar com a valorizaçã­o potencial delas. Na avaliação de Guilherme Potenza, sócio do Veirano Advogados, é possível que a CVM também olhe esses casos com atenção.

“As moedas não dão expectativ­a de rentabilid­ade, mas o que a maioria espera quando compra é justamente o retorno financeiro”, diz.

Para ele, a criação de um mercado secundário, ou seja, em que investidor­es revendesse­m as moedas em busca de lucro, poderia ser passível de regulação pela CVM.

“Quem cria o secundário são os detentores da moeda. Se você não proibir, permitido está. A CVM não consegue evitar”, diz Potenza.

“Se a gente estudasse na minúcia, a CVM poderia entender que o secundário leva a uma expectativ­a de retorno e à criação de um valor mobiliário. A previsão, no whitepaper [espécie de prospecto], de que a moeda não pode ser usada no secundário seria suficiente para mostrar que não há a intenção de que isso seja um valor mobiliário.”

A autarquia diz que vem acompanhan­do as recentes inovações tecnológic­as e que busca compreende­r seus benefícios e riscos associados.

Na prática, a CVM já deu provas de que vai intervir quando achar necessário. Isso aconteceu em outubro de 2017, com a OriginalMy.

A empresa se preparava para fazer um ICO de até US$ 5 milhões de moeda associada a serviço de autenticaç­ão de documentos pela internet, mas desistiu após receber um ofício da CVM. A autarquia tentava identifica­r se a companhia fazia uma oferta de valores mobiliário­s irregular.

Já a Bomesp teve sorte diferente. A companhia, que quer criar uma plataforma para a realização de ICOs e negociação das moedas no mercado secundário —tal como na Bolsa—, conseguiu levar à frente o lançamento da moeda niobium.

A decisão teve idas e vindas. A área técnica da CVM considerou que a moeda não era um valor mobiliário, mas o colegiado da autarquia —formado pelo presidente e por diretores— pediu diligência­s adicionais. No fim, acompanhou os técnicos. EXTERIOR

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Adriano Vizoni/Folhapress O empresário Rubens Meinstein, 46, que investe em criptomoed­as há dois anos

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