Folha de S.Paulo

ANÁLISE Veículos mais antigos terão problemas de adaptação

- JULIO WIZIACK GUSTAVO URIBE EDUARDO SODRÉ

DE BRASÍLIA

No momento em que o governo tenta buscar formas de reduzir o preço da gasolina, Michel Temer prepara um decreto que, na prática, poderá provocar aumento gradual de até R$ 0,06 por litro.

A medida pode vir com a regulament­ação do programa de biocombust­íveis (RenovaBio). Sancionada no fim de 2017, a nova política para o setor prevê a redução de poluentes em derivados de petróleo (como a gasolina) e o aumento da participaç­ão de combustíve­is menos nocivos ao ambiente, como o etanol.

Hoje, cada litro de gasolina já tem 27% de álcool anidro. Com o decreto, o índice de mistura subirá escalonada­mente até 30%, em 2022, e 40%, em 2030, se Temer mantiver os números aprovados pelo Congresso.

A equipe econômica resiste pois considera que haverá uma perda de ao menos R$ 4 bilhões por ano com a arrecadaçã­o de tributos. Sobre a gasolina incidem PIS, Cofins e Cide. Além disso, haverá uma alta de preço ao consumidor, o que pressiona a inflação.

Estimativa­s de consultori­as especializ­adas, que não quiseram ser identifica­das, indicam um aumento gradativo de R$ 0,06 por litro até 2030 devido à mudança na cesta de tributos e ao aumento de custos decorrente­s dos novos padrões de mistura.

Distribuid­oras consideram que essa conta também será afetada pela falta de etanol no mercado para atender à demanda imposta pela legisla- Como será? Os detalhes devem constar na regulament­ação da lei por meio de um decreto presidenci­al Qual o impacto para o consumidor? Cálculos de consultori­as especializ­adas indicam uma alta de R$ 0,06 por litro da gasolina na bomba e uma perda de arrecadaçã­o de R$ 4 bilhões com tributos com um percentual de 40% ção, o que, nesse caso, trará punições aos distribuid­ores —que serão obrigados a comprar certificad­os de compensaçã­o dos produtores. PRÓXIMOS PASSOS O governo aguarda, nesta semana, os cálculos finais da Fazenda para bater o martelo sobre os índices de mistura de anidro na gasolina. A Casa Civil defende os 40%, mesma posição dos produtores rurais. Mas Temer está cauteloso. Não quer tomar uma medida que, mesmo no longo prazo, acarrete alta de preços.

Projeções do governo indicam que, somente com 30% de anidro na gasolina, a produção de cana passará dos atuais 668 milhões de toneladas por ano para 820 milhões de toneladas, em 2026. Nesse período, a participaç­ão da cana destinada ao etanol saltará de 55% para 61%, elevando a produção do álcool nacional de 18 bilhões de litros para 31 bilhões de litros. Em contrapart­ida, a produção de açúcar ficaria comprometi­da.

O setor sucroalcoo­leiro defende o programa —e o decreto— para tentar uma recuperaçã­o. Com a recessão e a reviravolt­a na política de Dilma Rousseff, produtores entraram em recuperaçã­o judicial.

Com a nova política, eles esperam ganhar duas vezes —tanto com o aumento das vendas do álcool quanto com a venda de certificad­os para os distribuid­ores que descumprir­em as metas.

Mesmo com a queda na cotação do petróleo, o preço da gasolina vem subindo nos Evolução do peso do etanol Em % do total de combustíve­l produzido postos. Temer quer uma saída para garantir alta ou baixa de acordo com o petróleo.

Esse é também um movimento do governo para melhorar a popularida­de do presidente, que considera disputar a reeleição.

Para isso, o ministro Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidênci­a) e o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) avaliam medidas.

Diante do arrocho fiscal, a única saída seria criar mecanismos tributário­s para que PIS e Cofins não tivessem alíquotas fixas definidas sobre o preço do litro da gasolina. Há também ideias em relação ao gás de cozinha, outro item que vem subindo ao consumidor.

Na quarta-feira (7), o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que também é presidenci­ável, 2022 2030 disse que o governo estuda alterar a tributação para reduzir o preço da gasolina nas bomba.

A declaração causou irritação no Palácio do Planalto. Oito meses antes, o próprio Meirelles havia anunciado aumento das alíquotas de PIS e Cofins sobre os combustíve­is, dobrando o valor cobrado no caso da gasolina. Isso para compensar perda na arrecadaçã­o de tributos.

Como mostrou a Folha ,a elevação de impostos federais e estaduais foi responsáve­l por dois terços da alta da gasolina desde que a Petrobras adotou a política de ajustes diários nos preços, em julho do ano passado.

O restante foi provocado pela alta do etanol e das margens de revenda.

FOLHA

Carros novos movidos apenas a gasolina são minoria no Brasil. Hoje, predominam os modelos flex —que podem rodar também com etanol.

Contudo, isso não significa que mudanças no combustíve­l oferecido nos postos sejam absorvidas sem riscos.

Um estudo elaborado em 2014 pela Petrobras já avaliava a utilização do E30 (gasolina com 30% de etanol anidro na composição) para abastecer carros e motos que não tinham tecnologia flex.

Veículos mais novos apresentar­am funcioname­nto regular, mas ocorreram falhas em modelos produzidos nos anos 1990 ou equipados com peças não originais.

Os dados não permitem saber como seria o desgaste a longo prazo, mas conclui-se que um combustíve­l com ainda mais álcool pode inviabiliz­ar o uso de carros a gasolina com mais de 20 anos, ainda presentes em grande volume no trânsito brasileiro.

Será preciso fazer um período de transição, em que a gasolina comum atual continuará a ser oferecida mesmo quando a E30 já estiver nas bombas, em paralelo a um plano de renovação da frota.

A mudança deve fazer parte do programa Rota 2030, que substituir­á o Inovar-Auto. Todas as fabricante­s já têm motores que toleram a maior quantidade de álcool.

O passo seguinte é unir o etanol a sistemas eletrifica­dos. A Toyota prepara o híbrido Prius Flex, que será mostrado na próxima semana.

Essa combinação é vista hoje como a forma viável de o Brasil entrar na era da mobilidade limpa. Carros 100% elétricos, que aos poucos ganham espaço no mundo devido a legislaçõe­s ambientais, ainda estão muito distantes das ruas do país.

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