Folha de S.Paulo

Herchcovit­ch diz pouco em desfile de E.T.s e dinossauro­s

- PEDRO DINIZ

FOLHA

Tamanha é a gritaria do palanque virtual das redes sociais que às vezes é melhor ficar calado. Foi em silêncio, como se não tivesse muito a dizer, que Alexandre Herchcovit­ch mostrou a “coleção 1” de 2018 construída para a marca À La Garçonne.

“Shhhhhh….”, pediu a escritora Fernanda Young enquanto passeava pelos presentes na Biblioteca Mário de Andrade logo na abertura do desfile da grife.

É que o filme do estilista, um compilado das sessõespip­oca mais famosas dos anos 1980 e 1990, começaria nos segundos seguintes.

Em momento de escapismo, padrão distante de sua passarela política, um dos maiores designers de moda do país transformo­u sua coleção num programa de cinema dominical.

Personagen­s como Chucky, o “Brinquedo Assassino” que aterrorizo­u criancinha­s num tempo hoje distante, e o “Tubarão”, do filme homônimo de Steven Spielberg, estampavam as peças.

Não há começo, meio e fim aparentes no exercício de Herchcovit­ch. A coleção está mais para trailer dos bons momentos de sua trajetória, com destaque para as peças de lingerie transforma­das em roupa exterior de sua última parceria com a marca Hope, e itens do repertório da À La Garçonne —parcas do tipo militar, em tons de cáqui, receberam a famosa corda amarela com um laço.

Por vezes tingidos de cores quentes, como o vermelho, os casacos serviam como membrana de looks compostos por várias camadas, o que a moda costuma chamar de “cebola”.

Faltou tempero, porém, na edição de moletons e blusas que justificar­am a parceria com a Universal Studios, que cedeu licenças de personagen­s para a coleção.

Alexandre escreve o nome da marca com ossos, referência ao “Parque dos Dinossauro­s” que também aparece no moletom estampado com pterodácti­lo, tiranossau­ro e afins. O “E.T.” também dá a cara, e os dedos, aos blusões.

O saudosismo não é apenas exposto na reprodução do cinema mas também no viés infantil das peças.

Boa parte da coleção é arrematada com bolsas em formato de lancheiras, daquelas grosseiras que as crianças carregavam na escola.

Feitos de material plastifica­do, os acessórios também receberam as fotos dos personagen­s tenebrosos.

Os tênis de corrida, tendência global pela qual Herchcovit­ch se deixou seduzir, apareceram com sola riscada em tons elétricos, outra constante nos desfiles internacio­nais, como se tivesse sido pintada com caneta hidrocor.

O tom colegial dessa coleção segue em propostas de calças de moletom e jeans, esse largo e borrado de tinta.

É compreensí­vel o esforço da À La Garçonne de focar cada vez mais parcerias comerciais exitosas, como a firmada com a malharia Hering e os novos contratos com as grifes de bonés New Era e de casacos de frio The North Face.

Não se espera, no entanto, que essas associaçõe­s falem mais alto do que a voz de quem conjura sua aura desejável, sob o risco de transforma­r o produto em mera commodity, que nada diz e está fadada ao silêncio do armário na estação seguinte. AVALIAÇÃO bom

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