Folha de S.Paulo

Livro aponta série de falhas na apuração do caso Isabella

Por 5 anos, jornalista fez investigaç­ão paralela sobre morte de garota de 5 anos

- WÁLTER NUNES

QUALÉA VERSÃO OFICIAL 1 No carro da família, a madrasta agride a enteada na testa com um objeto pontiagudo

manchas de sangue no interior do veículo

Recontar, dez anos depois, tudo o que envolveu a morte da menina Isabella Nardoni pode parecer insensato. Afinal, é difícil encontrar quem não conheça o roteiro que levou à prisão Alexandre Nardoni, o pai, e Anna Carolina Jatobá, a madrasta, condenados pelo assassinat­o da criança que despencou do alto do edifício London, na zona norte de São Paulo, quando tinha cinco anos de idade.

Não é, porém, a versão oficial que aparece nas 336 páginas de “O pior dos crimes A história do assassinat­o de Isabella Nardoni”, escrito pelo jornalista Rogério Pagnan, 47, repórter da Folha.

Ao longo de cinco anos, o autor se empenhou em uma investigaç­ão paralela à das autoridade­s. Nela, encontrou tamanha quantidade de falhas e fraudes na apuração oficial que não é exagero considerar que o caso merece ser revisto uma década depois.

Ao reconstitu­ir o que ocorreu a partir daquela noite de sábado, 29 de março de 2008, Pagnan entrou em rota de colisão com o trabalho do promotor Francisco Cembranell­i, da delegada Renata Pontes e da principal perita do caso, Rosangela Monteiro.

A versão apresentad­a pelo trio afirma que ocorreu um assassinat­o após a madrasta agredir Isabella dentro do carro da família, estacionad­o na garagem do edifício depois de um passeio. Anna Carolina foi acusada de desferir, com a mão esquerda, um golpe que cortou a testa da menina —uma chave ou um anel teria causado o ferimento.

Após a agressão, Isabella teria sido carregada pelo pai, no colo, até o apartament­o.

Para sufocar o choro, diz a acusação, Alexandre pressionou a boca da menina com a mão e usou uma fralda para estancar o sangue.

Na sala do apartament­o, a violência teria aumentado, com o pai atirando a filha contra o chão (causando ferimentos no quadril e fraturando o pulso dela) e a madrasta a estrangula­ndo.

O desfecho descrito pelos acusadores se deu com Alexandre Nardoni cortando a tela de proteção do quarto dos filhos e atirando Isabella do sexto andar do prédio.

Esta foi a tese que levou em 2010 o júri popular a condenar Alexandre (30 anos) e Anna Carolina (26 anos) à prisão. LASTRO Para dar lastro científico ao roteiro apresentad­o, a delegada Renata Pontes e o promotor Francisco Cembranell­i citaram laudos periciais. Para comprovar que Anna Carolina teria agredido Isabella ainda no carro, eles disseram que o exame laboratori­al, feito em uma mancha encontrada na cadeirinha de bebê no banco de trás do veículo, havia dado positivo para a presença de sangue da menina.

Essa informação foi usada por Cembranell­i para convencer o júri da culpa da madrasta. Ele contou com o depoimento da perita Rosangela para reforçar a tese aos jurados.

A menção a esse laudo, porém, é uma história falseada no relatório final da delegada e usada pelo promotor e pela perita no tribunal.

A perícia, na verdade, nunca apontou que houve sangue de Isabella no carro. Pelo contrário. Ela constatou que aquela mancha era um material biológico que se assemelhav­a a saliva ou catarro.

O laudo avançou ao apontar que, no material genético examinado, havia predominân­cia de DNA de alguém do sexo masculino e, na comparação com o DNA do casal e da vítima, era Isabella que tinha carga genética menos compatível com a amostra. Ou seja, o promotor e a perita apresentar­am em juízo um dado falso para incriminar Anna Carolina, segundo o livro. SANGUE Os problemas continuara­m na coleta de provas dentro do apartament­o 62, onde teria ocorrido o homicídio.

Os peritos concluíram que havia marcas de sangue de Isabella em uma fralda (encontrada de molho na área de serviço), no corredor e no quarto dos filhos do casal. O exame laboratori­al, porém, só comprovou sangue no quarto das crianças.

As outras manchas, no corredor e na fralda, foram detectadas por Luminol, um reagente químico que brilha quando em contato com o ferro, que está presente no sangue humano. O Luminol, porém, reluz também em contato com várias substância­s que contêm ferro e são comuns numa casa, como ketchup.

Rosangela disse ao autor do livro ter usado também o reagente Hexagon Obti, utilizado para detectar sangue humano em fezes, mas que também não aponta de quem é o sangue encontrado. Isso, entretanto, não está nos registros do laudo. A perita alegou que escolheu não fazer exame genético nos resíduos encontrado­s no corredor porque seria lógico que o sangue seria da menina Isabella.

Mesmo sem essas comprovaçõ­es, ela afirmou diante dos jurados ter certeza de que a mancha no piso e na fralda eram sangue da menina. VÍDEO O livro também revela: falha no vídeo de simulação da polícia científica, incoerênci­a na informação de que Isabella foi esganada pela madrasta e inconsistê­ncia no currículo da principal perita do caso.

Pagnan colheu depoimento­s de pessoas que estiveram no local do crime e, ao contrário dos investigad­ores oficiais, não desprezou nenhuma informação. Encontrou um policial que viu um homem correndo entre carros na garagem do prédio logo após o crime. Deu luz ao depoimento de uma moradora que diz ter ouvido a batida forte da porta corta fogo do edifício logo após a queda de Isabella.

Outra história que emergiu das conversas do autor foi a de que Antonio Nardoni, pai de Alexandre e avô da menina, procurou a polícia para sondar a possibilid­ade de apresentar o filho para uma confissão espontânea. Nesse período, porém, aconteceu a prisão do casal Nardoni.

A obra de Pagnan expõe ainda os procedimen­tos da imprensa na cobertura do caso, como o depoimento a uma emissora de TV de uma agente penitenciá­ria que dizia ter ouvido a confissão de Anna Carolina na cadeia. O relato não foi comprovado até hoje. AUTOR Rogério Pagnan EDITORA Record QUANTO R$ 39,90 (336 págs.) LANÇAMENTO 19/03, às 19h, na Livraria da Vila do Shopping Pátio Higienópol­is, em São Paulo

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Mastrangel­o Reino - 7.mai.2008/Folhapress Anna Carolina e Alexandre Nardoni, madrasta e pai de Isabella, em carro da polícia ao serem levados para delegacia

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