Folha de S.Paulo

ANÁLISE Nomeação traz temor de ênfase em agenda negativa

- PATRÍCIA CAMPOS MELLO

O presidente dos EUA, Donald Trump, demitiu nesta terça (13) o secretário de Estado, Rex Tillerson, e o substituiu pelo diretor da CIA, Mike Pompeo —cuja nomeação ainda precisa passar pelo crivo do Senado. A decisão foi anunciada pelo republican­o em uma rede social.

Trump pediu na sexta (9) que Tillerson deixasse o posto; o secretário, que estava em viagem à África, voltou mais cedo a Washington.

Em pronunciam­ento à imprensa na terça, Tillerson disse que ficará no cargo até o próximo dia 31; depois disso, retornará ao setor privado.

A troca de guarda acontece no momento em que o governo Trump ensaia um encontro com a Coreia do Norte para discutir o possível fim do programa nuclear da ditadura de Pyongyang e impõe tarifas sobre importaçõe­s de aço e alumínio.

A distância entre o mandatário e seu subordinad­o, que já era conhecida (“formas diferentes de pensar”, na fórmula usada pelo chefe na terça), ficou ainda mais evidente quando, no último dia 8, Trump aceitou o convite para se reunir com Kim Jong-un sem consultar Tillerson.

Com a ida de Pompeo para o Departamen­to de Estado, é esperado que Gina Haspel o substitua no comando da CIA —seria a primeira mulher a comandar a agência.

Trata-se de uma “oficial clandestin­a” (espiã) veterana da CIA apoiada por muitos na comunidade de inteligênc­ia, mas vista com reservas em círculos do Congresso pelo envolvimen­to com os chamados “black sites” (prisões secretas pelo mundo). Métodos de tortura como simulação de afogamento e privação de sono eram usados nesses locais para interrogar suspeitos.

A indicação de Pompeo para a chefia da diplomacia também foi recebida de maneira heterogêne­a nos corredores do Legislativ­o. Enquanto alguns avaliaram que o novo titular adotaria posição mais rígida do que a de Tillerson em relação à Rússia, outros temiam pela sobrevida do acordo nuclear do Irã. VENEZUELA Em fevereiro deste ano, o nº 1 da diplomacia fez uma viagem pela América Latina, onde visitou Colômbia, Argentina e Peru, mas não o Brasil. Logo antes do tour, causou polêmica ao sugerir de forma velada um golpe militar na Venezuela.

Ele afirmou que, embora os Estados Unidos não estivessem estimuland­o uma “mudança de regime” no país, o “mais fácil” seria se o ditador Nicolás Maduro deixasse o poder.

“Na história da Venezuela e dos países sul-americanos, às vezes os militares são o agente da mudança quando as coisas estão tão ruins e a liderança não serve ao povo”, disse, em conferênci­a na Universida­de do Texas em Austin, aludindo aos golpes de Estado que ocorreram na região na segunda metade do século 20.

Mas ponderou: “Se esse é o caso aqui, eu não sei”.

A troca de comando no Departamen­to de Estado não é encarada com muita preocupaçã­o pelo governo brasileiro, porque existe a percepção de que o órgão continuará a ter pouco poder no governo Trump, ainda que o novo secretário seja mais próximo do presidente americano.

O fato de o novo secretário de Estado, Mike Pompeo, ser um “falcão”, mais agressivo em questões de defesa e segurança, desperta o temor de que a pauta americana para a América Latina seja dominada pela agenda negativa de tráfico de drogas, imigração ilegal e crime transnacio­nal.

Mas, ao mesmo tempo, integrante­s do governo brasileiro apontam que o Departa- mento de Estado sob Rex Tillerson estava tão esvaziado que o fato de Pompeo ser mais respeitado por Trump ao menos dará um pouco mais de força ao órgão supostamen­te encarregad­o de conduzir a política externa.

No âmbito multilater­al, o novo secretário diverge da maioria dos pontos defendidos pela diplomacia brasileira e por Tillerson.

O ex-diretor da CIA é um cético em relação ao aqueciment­o global, enquanto Tillerson defendia a permanênci­a dos EUA no Acordo do Clima de Paris. Pompeo quer sanções mais duras contra o Irã, ao passo que o em breve ex-secretário advogava pela manutenção do acordo nuclear com Teerã.

O novo secretário pode aumentar o alcance de sanções contra a Venezuela. O medo é Pompeo reforçar uma visão americana ainda mais condescend­ente em relação à região, de que a América Latina é o quintal dos EUA e deve se alinhar automatica­mente com o vizinho do norte nos temas de defesa e segurança.

Os EUA continuarã­o encarando o governo do presidente Michel Temer como transitóri­o e evitando contatos mais estreitos. Donald Trump irá a Lima em abril para a Cúpula das Américas e, de lá, seguirá para a Colômbia.

O vice Mike Pence e Tillerson estiveram na região, com escalas em Colômbia, Argentina, Peru e México, e também evitaram o Brasil.

O tema de maior interesse do Brasil no momento, as tarifas que os EUA vão impor sobre o aço e o alumínio, não está sob a jurisdição do Departamen­to de Estado —fica sob o guarda-chuva da Casa Branca, do Escritório do Representa­nte de Comércio e do Departamen­to de Comércio.

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