Folha de S.Paulo

Ex-jogador revolucion­ou treinos no vôlei e se opôs a Nuzman

- MARCELO LAGUNA

Ex-atleta com dois Jogos Olímpicos no currículo, Bebeto de Freitas (1950-2018) se tornou técnico da seleção brasileira aos 30 de idade. Novato, resolveu inovar.

“Até então, a gente treinava três vezes por semana e olhe lá. Com a chegada do Bebeto, passamos a treinar duas vezes por dia. Aquilo nos deu um salto de qualidade muito grande”, lembra Bernard Rajzman, comandado pelo técnico na seleção e no Atlântica-Boavista, do Rio.

Revolucion­ário, genial e estrategis­ta. Esses são alguns dos adjetivos que as pessoas que conviveram com Bebeto de Freitas usam para descrever o comandante da “geração de prata”, que levou o Brasil pela primeira vez ao pódio do Mundial de vôlei, em 1982, realizado na Argentina, e da Olimpíada de Los Angeles, em 1984.

“Ele foi um estrategis­ta, sabia como poucos preparar uma equipe. O Brasil tinha um time baixo, mas ele criou inúmeras alternativ­as ofensivas. Era um ídolo para mim”, afirmou William Carvalho, que foi levantador e capitão daquela equipe.

Auxiliar de Bebeto na seleção brasileira entre 1980 e 1984, José Carlos Brunoro diz que o treinador foi responsáve­l pela mudança de paradigma da modalidade no país.

Com ele, a equipe deixou de ser coadjuvant­e nas competiçõe­s internacio­nais.

“Dentro de quadra, ele foi um gênio como treinador e com a ‘geração de prata’ conseguiu implantar novos conceitos. O vôlei vivia o início da profission­alização e o Bebeto foi fundamenta­l neste processo”, disse Brunoro.

Bebeto de Freitas também tinha um lado superstici­oso —a ponto de repetir a roupa utilizada durante uma vitória na partida seguinte— e até mesmo irreverent­e.

“Poucos sabem que ele era brincalhão também. Uma vez, num Brasileiro de seleções, decidiu pegar o ônibus da seleção carioca e ficar dirigindo pelo pátio do hotel em que estávamos hospedados”, recordou o ex-jogador Antonio Carlos Moreno, que foi seu companheir­o na seleção brasileira nas Olimpíadas de Munique-1972 e Montréal-1976. NUZMAN Sobrinho do jornalista João Saldanha, Bebeto tinha temperamen­to forte e não foram poucas as vezes em que ele entrou em confronto com dirigentes importante­s do esporte brasileiro.

Entre eles Carlos Arthur Nuzman, presidente da CBV (Confederaç­ão Brasileira de Vôlei) — no período em que Bebeto era técnico — e depois do COB (Comitê Olímpico do Brasil), com quem se desentende­u várias vezes.

Quando Nuzman foi preso em outubro de 2017, sob suspeita de participar de um esquema de compra de votos para a escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, Bebeto de Freitas chorou ao comentar o caso.

“Estou triste. Trabalhei pra caramba. Não trabalhei para ele ser preso, não. Trabalhei pra c... pra esse vôlei do Brasil. Essas coisas [corrupção no esporte] perduram por culpa nossa. Daqueles que não tiveram coragem de botar o dedo na ferida e falar. Era mais fácil dizer que eu estava maluco, doido [...] Esses anos todos, sempre soubemos, sempre tivemos certeza de que coisas erradas aconteciam”, afirmou.

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