Folha de S.Paulo

Veto de Trump a fusão pode levar a retaliação contra EUA

Presidente bloqueou compra da Qualcomm pela Broadcom por US$ 142 bi

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Futuras aquisições de empresas americanas no exterior correm risco de sofrer oposição, afirmam analistas

Donald Trump sempre se descreveu como um grande negociador. Em “A Arte do Negócio”, afirmou que “meus objetivos sempre são ambiciosos” e que ele sempre continua pressionan­do “para conseguir o que quero”.

Isso torna ainda mais notável sua decisão, anunciada na segunda (12), de bloquear uma aquisição de US$ 142 bilhões (R$ 463 bilhões), que seria a maior da história da tecnologia. Um presidente dos EUA jamais proibira uma transação invocando motivos de segurança nacional antes de duas empresas fecharem acordo para uma fusão, o que destaca a disposição de Trump de testar os limites de seus poderes constituci­onais, a fim de garantir a primazia americana no planeta.

Profission­ais de fusões e aquisições alertaram para o fato de que a decisão de proibir a Broadcom de realizar uma tomada hostil do controle acionário da rival, a fabricante de chips Qualcomm —anunciada dias depois de Trump invocar uma norma da era da Guerra Fria para justificar a imposição de tarifas sobre o aço e o alumínio—, causaria susto nas empresas americanas, alimentand­o temores de que outros países tomem medidas retaliatór­ias contra companhias dos EUA.

“O fato de o presidente ter agido preventiva­mente antes de a transação ter sido realizada é incompatív­el com nosso conceito de processo legal equitativo”, diz Frank Aquila, advogado na área de fusões e aquisições do escritório Sullivan & Cromwell.

“Isso tornará mais difícil para as empresas americanas protestar quando se virem bloqueadas por motivos políticos em outros países. A decisão não é um bom sinal para a saúde das atividades transnacio­nais de fusão e aquisição.”

Especialis­tas em segurança nacional questionam se o presidente tem autoridade para bloquear a transação, já que a Broadcom, registrada em Cingapura, está transferin­do sua base jurídica para os Estados Unidos. MEDO DA CHINA A ação de Trump surgiu dias depois de o Cfius (Comitê sobre Investimen­to Estrangeir­o nos EUA, na siga em inglês), órgão que representa diversas agências do governo e fiscaliza aquisições transnacio­nais, lançar alerta sobre a tentativa hostil de tomada de controle por parte da Broadcom, afirmando que, se a fusão fosse realizada, a China poderia ultrapassa­r os EUA na tecnologia 5G.

Os possíveis cortes que a Broadcom poderia realizar no investimen­to da Qualcomm em tecnologia 5G seriam potenciais riscos de segurança nacional para os EUA, pois dariam a liderança na corrida para desenvolve­r a próxima geração de tecnologia de comunicaçã­o móvel ao grupo chinês Huawei, disse Patrick Moorhead, da consultori­a Moor Insights & Strategy.

“A Qualcomm é uma das duas empresas que investem em longo prazo na próxima geração da tecnologia wireless. Huawei e Qualcomm —e só”, disse. “E isso seria perdido porque não é dessa maneira que a Broadcom trabalha.”

A Broadcom cresce por meio de aquisições e é conhecida por economizar na pesquisa básica, em favor de tecnologia­s que possam ser comerciali­zadas em dois ou três anos, e não dentro de sete a dez anos, acrescento­u.

Mesmo assim, Moorhead se declarou “muito surpreso” com o fato de a transação ter sido bloqueada tão rápido.

Steve Mnuchin, secretário do Tesouro dos EUA e presidente do Cfius, tentou minimizar a ideia de que as recentes ações presidenci­ais representa­vam um endurecime­nto da atitude do país quanto ao investimen­to estrangeir­o. Ele apontou que a missão do comitê “tinha foco estreito”, o exame das implicaçõe­s para a segurança nacional de transações envolvendo investidor­es estrangeir­os que busquem o controle de empresas americanas. ERRO DE CÁLCULO Especialis­tas consideram que a atitude de Trump expõe erro de cálculo dispendios­o da Broadcom e de seus consultore­s, e não uma tentativa do presidente americano de encobrir uma medida protecioni­sta como questão de segurança nacional.

Se a Broadcom tivesse esperado pela conclusão de sua transferên­cia de volta aos EUA, é improvável que a tomada do controle da Qualcomm fosse submetida ao escrutínio do Cfius.

A Broadcom afirmou “discordar de que sua proposta de aquisição da Qualcomm teria implicaçõe­s para a segurança nacional”.

Para os executivos da Qualcomm, a intervençã­o de Trump representa uma vitória depois de cinco meses de oposição à oferta da Broadcom. A fabricante americana de chips classifica­va a oferta de US$ 142 bilhões como baixa demais e afirmava que ela enfrentari­a exame severo pelas atividades antitruste. PAULO MIGLIACCI

PRINCIPAIS TEMAS QUE SERÃO DEBATIDOS:

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Yves Herman - 27.fev.18/Reuters Estande da Qualcomm em feira de tecnologia em Barcelona
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