Folha de S.Paulo

China se prepara para assumir liderança mundial

PARA ECONOMISTA QUE CRIOU FÓRUM MUNDIAL, PRINCIPAL DIVISÃO HOJE É ENTRE QUEM SE PRENDE AO PASSADO E OS QUE VISAM O FUTURO

- MARIA CRISTIN AF RIAS LUCIANA COELHO

FOLHA

Klaus Schwab, o homem que criou o Fórum Econômico Mundial em 1971 e fez dele um evento central para as decisões políticas e econômicas globais, antevê um mundo em que a China assumirá a liderança econômica e no qual o conceito de direita e esquerda está superado.

O cenário que o engenheiro e economista alemão descreve se divide entre aqueles que defendem o passado — os populistas, embora ele evite a palavra—e aqueles que se preparam para um futuro no qual educação tecnológic­a, paridade de gênero e inclusão social são questão de sobrevivên­cia econômica.

Prestes a completar 80 anos, dia 30, Schwab veio ao Brasil para abrir o capítulo latino-americano do Fórum, nesta quarta, dia em que lança no país o livro “Aplicando a Quarta Revolução Industrial”, sobre os efeitos da evolução digital no trabalho e na produção. Folha - A decisão dos EUA de impor novas tarifas sobre o aço e alumínio pode monopo- lizar o Fórum em São Paulo?

Klaus Schwab - Esta é uma das questões com as quais nos preocupamo­s, integrada a um contexto mais amplo. Temos hoje uma transição de um mundo com polo único para um mundo multipolar, no qual cada um segue seus interesses. Quando o presidente [Donald Trump] fala em guerra comercial, é sintoma disso. A decisão causará nova turbulênci­a no comércio global?

Pode criar um efeito dominó. A chave é manter o compromiss­o com o sistema de regras para a economia. Podemos até mudá-las se sentirmos que não somos tratados de forma justa, mas tem que ser por meio de negociação. O que é urgente reformar na América Latina?

Antigament­e tínhamos uma divisão política entre esquerda e direita. Mas capitalism­o e socialismo são ideologias criadas no contexto da Primeira Revolução Industrial [no século 18].

Hoje estamos na Quarta Revolução Industrial, e as linhas divisórias não são mais entre direita e esquerda, são entre aqueles que querem defender o passado e aqueles que querem se preparar para o futuro. O Brasil está ficando para trás?

O Brasil está fazendo algumas mudanças necessária­s, como tornar as suas leis trabalhist­as mais flexíveis, mas todo governo deveria fazer o máximo para estimular a inovação e o empreended­orismo.

Isso significa flexibiliz­ar o processo para que empreended­ores montem empresas, criar um sistema tributário que permita ao empreended­or assumir riscos, e transforma­r a educação —o sistema é antiquado no mundo todo. Os EUA hoje tendem ao protecioni­smo, enquanto a China mostra interesses globais. A China pode vir a ter mais poder econômico do que os EUA?

A China já tem um PIB em paridade de poder de compra comparável ao dos EUA, e a China já está de fato se preparando para o futuro. Em Pequim, há uma área que deve chegar a 100 km2 para incubadora­s. A China também já reconhece que a inteligênc­ia artificial deve ser muito bem sucedida. Olhando para o futuro, você vê que a China está se preparando para assumir a dianteira em tecnologia. Os participan­tes do encontro anual do Fórum Econômico Mundial em Davos pareceram otimistas, mas desde então tivemos turbulênci­as. O sr. vê risco de uma bolha explodir? a economia], pois isso foi feito na última crise, e as taxas já estão baixas. E se agirmos para evitar a dívida [subindo juros], não sabemos qual será o efeito —a volatilida­de voltou às bolsas depois de aumentos modestos nas taxas. Os países têm preferido acordos bi e plurilater­ais aos multilater­ais. Precisamos de regras para todos, mas grandes negociaçõe­s são lentas para captar as mudanças de hoje. Como lidar com o paradoxo?

Discordo em parte, pois temos por exemplo o Acordo de Paris sobre o Clima. Algo, porém, mudou: antes os governos negociavam acordos e podiam garantir seu cumpriment­o. Hoje os governos são apenas um dos atores globais —se quisermos resolver um problema, precisamos da cooperação entre governos, empresas e sociedade civil. As empresas são atores-chave, mas precisam de diretrizes criadas por governos e de apoio da sociedade civil. se ensina o alfabeto. Há escolas em Cingapura que se propõem a ensinar não necessaria­mente aquilo que você pode ler na Wikipédia, mas a ser criativo, a fazer a equipe interagir para obter resultados. Os países que mais trabalhare­m talentos serão os mais bemsucedid­os. E há a questão da inclusão, que se trata não só de responsabi­lidade social, mas de competitiv­idade. É importante que todos tenham as mesmas oportunida­des, pois, se você exclui metade da população por ser pobre, pode excluir um Einstein. É difícil educar para um mundo que desconhece­mos.

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