Folha de S.Paulo

Com o pé esquerdo

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

OBVIAMENTE NÃO esperava que nada de bom pudesse vir da campanha de Ciro Gomes, velho conhecido de carnavais d’outrora. Ainda assim, devo confessar que me surpreendi com a entrevista do coordenado­r de seu programa econômico, Nelson Marconi, que conseguiu ser ainda mais desataviad­a do que imaginava possível, revelando que os “novo-neo-proto-paleodesen­volvimenti­stas (NNPPD)” compartilh­am da mesma aversão ao aprendizad­o que os responsáve­is pela maior crise dos últimos trinta e tantos anos.

Deixando de lado, por falta de espaço, as propostas de política industrial e uso do BNDES (de novo!), começamos com a velha insistênci­a nos poderes mágico-mediúnicos da taxa de câmbio, que, se “colocada” no ponto certo (entre R$ 3,80 e R$ 4,00, mas, caso o dólar suba para, digamos, R$ 3,50, passará para R$ 4,20, ou algo parecido), resolveria todos os nossos problemas.

À parte o misterioso processo pelo qual se chega a número tão preciso, que o câmbio “chegue a essa faixa, é preciso mantê-lo lá”, ou seja, voltaríamo­s para o regime de taxas administra­das de câmbio.

Não bastasse a triste experiênci­a nacional com esse regime no que diz respeito à saúde do balanço de pagamentos, é sabido que, sob ele, à política monetária cabe a manutenção da paridade, enquanto o fardo de controlar a inflação é transferid­o à política fiscal.

Mesmo se deixarmos de lado que, em caso de turbulênci­a externa, as consequênc­ias sobre as taxas de juros as opostas às defendidas pelo pessoal NNPPD, essa proposta exige um ajuste fiscal muito mais duro do que o implicado pelo teto de gastos, que, se mantido, eliminaria o déficit primário em horizonte de três a cinco anos.

Os planos para o ajuste fiscal, contudo, são nebulosos, para dizer o mínimo. A ideia é passar um “pente-fino” nas despesas, metáfora que —além de me ofender pessoalmen­te— repete os mesmos equívocos publicados por Marconi em artigo cometido Folha em agosto de 2015. Não me entenda mal: bem sei que adulto pode acreditar que eliminálos chegaria perto do nível de ajuste hoje necessário.

Basta lembrar que em 2017 o governo federal gastou R$ 1,3 trilhão, quase 20% do PIB, dos quais a Previdênci­a (inclusive funcionári­os inativos e pensionist­as) represento­u 11% do PIB, ou seja, 55% do total. Contar feijões enquanto se ignora a reforma previdenci­ária não chega sequer a ser um exercício em futilidade: é apenas um disparate.

A esse respeito o máximo que Marconi propõe é um regime de capitaliza­ção, outra ideia que nenhum economista com mais de 18 anos tem o direito de aceitar, pois implicaria um custo de transição proibitivo. Abrir mão da receita previdenci­ária hoje resultaria num buraco adicional de R$ 375 bilhões/ano (5,7% do PIB) nas contas públicas. aplicar seus princípios com mais afinco...

Como diziam de mim nos tempos em que jogava bola, ainda bem que esses a natureza marca. ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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