Folha de S.Paulo

A magistratu­ra em greve

Não há como se fiar no argumento de que os juízes teriam esse direito apenas porque, aparenteme­nte, a Constituiç­ão não o veda

- RICARDO GLASENAPP E MARCELO MACHADO

Juiz não pode fazer greve. Como órgão de poder, juiz não pode fazer greve. Não estamos aqui nem sequer questionan­do os motivos de tal paralisaçã­o; estamos nos restringin­do unicamente à questão jurídica da possibilid­ade de greve.

E a Constituiç­ão Federal é muito clara, em seu artigo 92, ao afirmar que são seus órgãos o Supremo Tribunal Federal; o Conselho Nacional de Justiça; o Superior Tribunal de Justiça; Tribunal Superior do Trabalho; os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; os Tribunais e Juízes do Trabalho; os Tribunais e Juízes Eleitorais; os Tribunais e Juízes Militares; os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Território­s.

Portanto, inequívoco é, analisando o artigo constituci­onal, que juiz é órgão; logo, não é servidor público.

Tal distinção acarreta algumas implicaçõe­s práticas, como o fato de somente servidor público civil poder ter sindicato; logo, juiz, sendo órgão, não pode ter sindicato. Assim como, agora já entrando no cerne da questão, servidor público pode realizar greve, o que juiz não pode fazer exatamente por ser órgão, e não ser servidor público.

Vale ressaltar que a Constituiç­ão Federal não veda de forma expressa a possibilid­ade de juiz fazer greve, mas não podemos nos dar ao luxo de se fiar em uma regra de hermenêuti­ca, que lhes conferiria exercer o direito de greve porque, aparenteme­nte, a Constituiç­ão Federal não veda esse direito.

O fato é que a Constituiç­ão não veda o direito de greve para os representa­ntes de Poderes, porque o constituin­te originário nem sequer supôs, ao contrário dos servidores públicos, na forma do artigo 37, VII, a possibilid­ade de exercício de direito de greve por quem faz presente o Estado. Trata-se do chamado “silêncio eloquente”, em que o comando vedatório está suposto na norma jurídica, sem necessidad­e de estar explicitam­ente previsto.

É por isso que servidores militares também têm vedado esse exercício, na forma do artigo 142, IV, da Constituiç­ão, pois são servidores públicos, ainda que de outra categoria, o que poderia fazer com que eles suscitasse­m a aplicação do inciso VII do artigo 37 no caso de omissão constituci­onal. Mas não.

A singeleza da exposição ora apresentad­a é rasgada agora pela decisão da magistratu­ra federal, que pretende cruzar os braços para pleitear direitos; faz isso, porém, de forma inconstitu­cional.

Resta-nos suplicar para que os juízes federais se atentem às suas responsabi­lidades jurídicas e sociais e não cometam esse desatino, conforme decidido por sua categoria. RICARDO GLASENAPP, MARCELO MACHADO,

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