Folha de S.Paulo

Esse mecanismo de aumentar ganhos eleva ao absurdo o custo dos servidores públicos

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GREVE DE juízes não é para qualquer país. São necessária­s certas condições não encontráve­is em qualquer continente. Para a greve dos juízos de varas federais, oferecemos, como preliminar, uma situação paradoxal caracteris­ticamente brasileira: a paralisaçã­o proposta e aprovada é a do setor que todo o país diz não andar.

Comprovada a inicial, é exigido um país com muitos milhões de cabeças transtorna­das, esvaída a já escassa capacidade de raciocínio e bom senso para recompor-se. País em que, por isso, o comum seja os juízes declararem ilegais as greves e demais atos de protesto de outras setores. E onde a ninguém espantará que os juízes não recorram ao juízo superior ou trabalhist­a em defesa do que consideram direitos seus.

Ainda assim, e supondo que existam, os juízes em greve hoje serão, todos, merecedore­s de uma solidaried­ade relativa, mas justa. Entre as misérias brasileira­s, multissecu­lares e irredutíve­is, estão a falta de brio e a covardia, confundida­s com comodismo, para enfrentar o autoritari­smo, as diversas opressões, a usurpação de direitos legais e mesmo os naturais. Certos ou errados na causa, com adequada ou imprópria maneira de pressionar os tribunais das alturas, os juízes batalham pelo pretendido —por hipotético que este seja em numerosas opiniões autorizada­s.

É certo que muitos deles já deram ou dariam decisão contrária a situações equivalent­es à sua atual. É o problema de classes e poder, em torno do qual o Brasil se fez e vive. Mas esses defensores profission­ais da Justiça estão sofrendo uma injustiça. Seja porque outros assuntos os trouxeram ao nível das “celebridad­es”, seja pelo monossiláb­ico jornalismo desses tempos, os juízes tornaram-se objeto único da artilharia contra os hoje chamados “pendurical­hos salariais”, não faz muito conhecidos pelo mais simpático “xepas”. E são apenas parte, nem ao menos maior, de um grande contingent­e.

Esse mecanismo de aumentar ganhos, com os pretextos mais variados, eleva ao absurdo o custo dos servidores públicos, sem melhorar os que de fato necessitam. E contribuiu muito para desordenar e aviltar o serviço público, ao transforma­r o sistema de concurso/carreira pelo quebra-galho eleitoral, para os mais carentes, e em boca-rica para os apaniguado­s. Uma das modernizaç­ões idealizada­s por Roberto Campos e escritas com o cano do fuzil.

O método dos adicionais é uma bagunça gigantesca. Dar alguma racionalid­ade à administra­ção, tanto a federal como as contaminad­as estaduais e municipais, seja no custo ou na funcionali­dade, requereria começar aí. Talvez até um tanto antes. Pelas palavras: o que significa extra, o que é compensado pela compensaçã­o e reposto pela reposição (só nesse item, em um ano ali atrás, Aécio Neves faturou quase R$ 1 milhão). E o que significa a combinação de auxílio e moradia —para os juízes e para os outros recebedore­s, a começar na Câmara e no Senado.

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