Folha de S.Paulo

Engolindo sapos

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

A FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) trocou os patos da campanha “Não vou pagar o pato”, contra o pagamento de impostos e dos protestos pró-impeachmen­t, pelos sapos de sua nova campanha, “Chega de engolir sapo”, contra os altos juros bancários cobrados de empresas e consumidor­es.

Antes que os mais ingênuos se convençam novamente das boas intenções da federação e de seu alinhament­o com os interesses da maioria da população —a primeira contra o Estado e seus impostos e agora contra os bancos—, é bom refrescar um pouco a memória.

Tal como relatado pelo cientista político e colunista desta Folha André Singer no ensaio “Cutucando a onça com varas curtas”, publicado em julho de 2015 na revista Novos Estudos do Cebrap, foi a aliança da Fiesp com representa­ntes sindicais estabeleci­da em maio de 2011 que deu sustentaçã­o à mudança mandato de Dilma Rousseff. trabalhado­res e empresário­s pelo futuro da produção e do emprego”, publicado após o seminário que reuniu Fiesp, CUT (Central Única de Trabalhado­res) e Força Sindical, apresentav­a diversas propostas para o desenvolvi­mento do país que foram entregues à presidente Dilma.

“É fundamenta­l que haja, imediatame­nte, redução de juros, desoneraçã­o da folha de pagamento e outras medidas que possam compensar esse roubo de competitiv­idade resumiu o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, em entrevista concedida em 24 de maio de 2011.

Para que a redução da taxa Selic chegasse ao setor bancário, o governo federal reduziu os juros e os limites para diversas linhas de financiame­nto concedidas pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal. Por meio dos bancos públicos, o governo forçou os concorrent­es privados a reduzir os spreads —as margens cobradas pelos bancos sobre os juros básicos da economia. Caso não o fizessem, perderiam participaç­ão no mercado.

A adoção dessa Agenda Fiesp, do real e a concessão de vultosas desoneraçõ­es tributária­s aos mais diversos setores, fracassou por razões que vão desde graves erros de diagnóstic­o e de execução a algumas surpresas no cenário internacio­nal.

Mas, além disso, como aponta Singer, “decorridos três anos da máxima unidade produtivis­ta, a situação tinha-se alterado por completo. Os industriai­s pareciam ter aderido ao programa rentista. Com isso, do setor financeiro ao industrial, passando pelo agronegóci­o, o comércio e os serviços, a unidade capitalist­a em torno do corte de gastos públicos, da queda no valor do trabalho e da diminuição da proteção aos trabalhado­res tornava-se completa”.

Entre as possíveis explicaçõe­s aventadas, Singer destaca que a financeiri­zação do capitalism­o fez com que setores produtivos caíssem fundos de investimen­to e que, no caso do Brasil, as décadas de juros altos levaram empresas do próprio setor industrial a viver de rendimento­s financeiro­s.

Moral da história: antes de distrair-se com patos ou sapos, cuidado com os morcegos. LAURA CARVALHO,

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