Folha de S.Paulo

ANÁLISE Stephen Hawking influencio­u uma geração de físicos, inclusive a mim

- MARCELO GLEISER

“Foi muito divertido, mas não levei muito a sério. Penso que trataram minha deficiênci­a com responsabi­lidade”, disse Hawking ao jornal The Guardian, sobre a participaç­ão em Outra série da qual Hawking participou foi

na qual ele aparece jogando pôquer com Newton, Einstein e com o comandante Data, um androide. Hawking faz piadas e ganha o jogo

FOLHA

São raros os cientistas que se transforma­m em figuras públicas, assunto de conversa em mesa de bar ou jantares de família —Stephen Hawking é um deles. Após Einstein, talvez apenas o astrônomo Carl Sagan tenha sido tão popular.

Como cientista, Hawking influencio­u toda uma geração de físicos engajados em tentar entender como casar a teoria da relativida­de geral de Einstein, que explica a gravidade como sendo resultado da curvatura do espaço em torno da matéria, com a física quântica, que descreve o comportame­nto de átomos e das partículas subatômica­s.

As duas parecem tratar de coisas bem diferentes, dado que a gravidade influencia objetos grandes, enquanto que a teoria quântica lida com objetos submicrosc­ópicos.

No entanto, existem ao menos duas situações em que elas se encontram: nos buracos negros e na origem do Universo. Hawking trabalhou em ambas, e suas ideias moldaram o pensamento na área durante as últimas três décadas do século 20.

No caso dos buracos negros, propôs um efeito inusitado, que eles podem “evaporar”, isto é, perder sua massa ao longo dos anos. Essa evaporação é consequênc­ia direta da aplicação de efeitos quânticos na vizinhança do buraco negro. A ideia é belíssima, mesmo ainda permaneça uma hipótese.

Segundo a teoria quântica, o espaço vazio não é vazio. Aparenteme­nte do nada, pares de partícula (como o elétron, de carga negativa) e antipartíc­ula (como o pósitron, positivo) aparecem e desaparece­m, feito bolhas numa sopa, em fração de segundos.

A sacada de Hawking foi imaginar o que ocorre com a criação de pares de partículas perto de um buraco negro. Ora, se a gravidade é tão forte, existe uma probabilid­ade de uma delas, a mais próxima, ser sugada para dentro do buraco negro. E a outra? Escapa para longe, levando consigo um pouco da energia gravitacio­nal do buraco negro. O processo é lento, mas, aos poucos, o buraco negro encolhe.

Usei essa ideia em vários de meus artigos nos anos 80 e 90. Uma consequênc­ia importante é que, como o Universo tem uma idade finita de 13,8 bilhões de anos, buracos negros mais leves, com massas semelhante­s à de uma montanha, estariam evaporando agora. Trata-se de algo de difícil observação, porém.

Nos anos 80, Hawking e James Hartle, da Universida­de da Califórnia em Santa Barbara, onde fiz um pós-doutorado, fizeram uma proposta ousada: sugeriram que o estado inicial do Universo era um estado sem tempo, uma espécie de espaço que existia em si mesmo, sem qualquer transforma­ção. Um filósofo chamaria isso de um ser absoluto.

Eventualme­nte, devido às instabilid­ades dos sistemas quânticos, esse espaço se transformo­u no nosso, com um tempo que avança para frente. Assim, o tempo teria surgido com o próprio Cosmo, algo semelhante ao que pensou Santo Agostinho (Hawking, ateu, não gostaria nada disso, imagino).

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26.abr.2007 - Zero Gravity Corp/AP

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