Folha de S.Paulo

Em Kombi, dupla viaja pela periferia de SP para contar histórias

- KELLY MANTOVANI

FOLHA

Em janeiro de 2017, quando voltavam da Bahia, com escalas em diferentes estados do país, a Kombi foi roubada em São Paulo. Poderia ter sido o fim da história para o sonho de Thayame Porto, 30, e Bruno Terra, 26. Foi, porém, apenas uma pausa no enredo que criaram há nove anos.

Não se sabe se o ladrão abandonou de vez o crime, mas ao menos daquela vez ficou tocado pela mensagem da dupla no Facebook e ligou para combinar a devolução.

Mais do que levar o veículo a seus donos, o ladrão devolveu a possibilid­ade de sonhar a centenas de crianças.

Em março de 2009, Thayame e Bruno criaram um projeto experiment­al em Guarulhos (Grande SP), onde moram. Os educadores carregavam malas de livros para formar rodas de contação de histórias na periferia da cidade.

Deram o nome de “Passarinho Contou”. Em 2016, compraram a Kombi para carregar o material. Eles percorrem as regiões pobres, e não raro, ouvem dos pais e até das crianças pedidos de cestas básicas.

Em uma tarde ensolarada de sábado em dezembro, 60 crianças entre 5 e 11 anos da comunidade Lavras, em Guarulhos, aguardavam ansiosas a chegada da Kombi.

Além da contação de histórias, há música e lanche. A brincadeir­a começou com a história do “Telefone Sem Fio”, de Ilan Brenman e Renato Moriconi. Após a leitu- ra, um conta para o outro o que ouviu ao pé do ouvido.

Os versos de Mario Quintana aos quais o projeto faz referência estão entre os favoritos da garotada. “Todos esses que aí estão Atravancan­do meu caminho, Eles passarão… Eu passarinho!”. Alguns “passarinho­s” pretendem seguir os caminhos dos contadores de histórias.

“Gosto de brincar de escolinha e contar as histórias que ouço”, diz Thalia Batista Alves, 8. “Quero ser professora, ensinar todo mundo a ser uma boa pessoa, e muitas coisas”, diz Kemilly Soares, 10.

Filha de presidiári­o, Thayame vê na leitura uma forma de dar novas perspectiv­as. “Na falta do meu pai, minha tia lia histórias e eu ficava fascinada. Muitas crianças aqui têm essa realidade, ou ficam sozinhas em casa, quando não as mais velhas ficam cuidando dos irmãos. A leitura é um aconchego. É um dever com a comunidade”, diz.

O “Passarinho Contou”, além de estar em algumas periferias, começou a ser apresentad­o em Sescs e centros culturais há alguns meses.

Thayame sonha alto, quer expandir o projeto —a ideia é angariar recursos e conquistar mais “passarinho­s” país afora. “Tenho o sonho de viajar para as regiões periférica­s do Brasil, contando e ouvindo histórias”, sonha, como sonhou lá em 2009 e transformo­u em realidade.

 ?? Danilo Verpa/Folhapress ?? Projeto criado por dupla de educadores utiliza Kombi repleta de livros desde 2016 para contar histórias a crianças de áreas periférica­s da Grande SP
Danilo Verpa/Folhapress Projeto criado por dupla de educadores utiliza Kombi repleta de livros desde 2016 para contar histórias a crianças de áreas periférica­s da Grande SP

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