Folha de S.Paulo

Bebeto de Freitas lutou a boa luta a vida toda. Indignado, o coração explodiu no peito aberto às flechas

- COLUNAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e PVC, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: Juca Kfouri, PVC e Tostão

BEBETO DE Freitas nunca perdeu a indignação.

Pelos menores e pelos maiores motivos. Os menores eram até engraçados. Não se conformava em ver os paulistas torcendo pela Pirelli contra o time de vôlei do Bradesco que ele comandava com maestria.

“Como vocês torcem por uma fábrica de pneus italiana contra o time de um banco paulista?”, perguntava no ginásio do Ibirapuera quando dos memoráveis embates do vôlei brasileiro nos anos 1980.

Bebeto não levava em conta que o time que dirigia vivia no Rio de Janeiro e o rival em Santo André.

Que bom teria sido se sua revolta se limitasse a tal incompreen­são. Mas não.

Sob sua batuta, a seleção brasileira ganhou a medalha de prata na Olimpíada de 1984 ao jogar a decisão contra os anfitriões americanos em Los Angeles. exagerada quando se deu a explosão do vôlei no Brasil, capaz de deixar o basquete para trás: “Existe um vôlei do Brasil e outro no Brasil”.

Referia-se à diferença entre a seleção brasileira e o vôlei dos clubes, vampirizad­o pelo sexteto nacional.

Ele foi a primeira voz a denunciar o autoritari­smo do então presidente da Confederaç­ão Brasileira de Vôlei, Carlos Nuzman. Que impunha multas impagáveis aos atletas que quisessem se transferir para o exterior.

Mais: foi também o primeiro a perceber que Nuzman enriquecia à custa do esforço dos clubes quando todos supunham que o cartola fosse exemplar.

Percebeu e gritou com a veemência que trazia em seu DNA, sobrinho do João “Sem Medo” Saldanha, de quem herdou, também, a paixão pelo Botafogo.

Sua coragem custou o fim do espaço para trabalhar no país.

Acabou na Itália, como técnico campeão mundial em 1998, coração brasileiro por 3 a 2 na semifinal.

Em 1992, em Barcelona, testemunho­u como comentaris­ta da TV Globo, a conquista da primeira medalha de ouro olímpica de um esporte coletivo brasileiro, quando o vôlei masculino, sob as ordens de José Roberto Guimarães, surpreende­u o mundo.

Quem estava no ginásio de Montjuïc pôde ver a permanente troca de olharesent­reZéRobert­oeBebetoac­ada ponto importante do time nacional.

“Ele sempre foi o meu mentor”, disse Zé Roberto ao saber da morte prematura, aos 68 anos, de seu mestre.

Tivesse se limitado ao vôlei e Bebeto já seria um colosso. ele, presidente eleito, mas ainda não empossado, o voto decisivo para implantar os pontos corridos no Campeonato Brasileiro, coerente com sua posição modernizan­te.

Receber um telefonema dele nunca era tarefa para menos de 40 minutos. Invariavel­mente para ouvir desabafos de alguém inconforma­do com os descaminho­s do esporte brasileiro. Silenciá-lo ninguém conseguiu. Nem mesmo o coração que explodiu em seu peito sempre aberto às flechadas dos poderosos.

Porque sua voz seguirá viva a orientar quem luta pela decência em nosso esporte.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil