Folha de S.Paulo

Marielle, morta pelo Estado do crime

- VINICIUS TORRES FREIRE

O PAÍS SE acostumou às mortes por encomenda de militantes de direitos humanos, ambientali­stas e líderes de trabalhado­res rurais, dezenas por ano. Talvez sejam mais de centena, pois as estatístic­as são imprecisas e por vezes se cruzam.

Nas Amazônias e em sertões do centro-norte, notícias do morticínio faz algum tempo aparecem e somem como aqueles relatórios de desmatamen­to, rotina integrada à paisagem deserta também de civilizaçã­o.

Não há como saber se Marielle Franco foi levada por uma torrente nova de horror, um agora também rotineiro trucidamen­to de militantes de direitos humanos da cidade grande. Mas de qualquer modo terá sido levada em uma confluênci­a de barbáries.

A vereadora do PSOL era feminista, defensora de direitos de negros, de favelados, da vida. É muito plausível que por isso tenha sido emboscada e morta. Mas a jovem política foi vítima também da institucio­nalização as instituiçõ­es. de máfias com esquadrões da morte, de caráter paramilita­r, integradas também por ex-policiais. Milícias e facções são o crime institucio­nalizado.

Pode ter sido vítima de funcionári­os criminosos do Estado, policiais que criticava, por exemplo, mas não só. Como tantos outros milhares de pessoas, no mínimo foi massacrada na selva de ruínas plantada pelas gangues do MDB que saquearam o Rio, mas não só.

Demos de barato a institucio­nalização do sistema de segurança e de presídios, ocupa cadeiras de vereadores e mesmo prefeitura­s, em São Paulo inclusive. As chacinas em presídios são uma prova soberana do crime institucio­nalizado, mais que organizado.

Os assassinat­os na campanha eleitoral de 2016 na Baixada Fluminense são prova escandalos­a da invasão do Estado pelo crime dito comum. Em geral, não se tratava de ataques de milícias a candidatos e de acreditar que representa­ntes do crime institucio­nal não tenham chegado a postos mais altos nos três Poderes. Depois de dominarem território­s e corrompere­m ou cooptarem parte das polícias, começam a ocupar partes do comando do Estado; contam com tropas e terrorista­s.

Seja a mando do Estado do crime ou do crime no Estado, é possível que a bandidagem soberana tenha começado uma campanha contra militantes da resistênci­a, como Marielle. Em outra chave, policiais e funcionári­os decentes do Estado já eram centenas de baixas nesta guerra, convém não esquecer.

Os assassinat­os de militantes de político do campo tem lugar na cidade, desaguando na torrente de terror que extermina as dezenas de milhares de vítimas “civis” desta guerra, como o mecânico e motorista Anderson Gomes, 39, que se foi com Marielle.

Já vimos isso antes: Colômbia e México. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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