Folha de S.Paulo

Fora dos limites

Ministro Barroso, do STF, extrapola suas funções ao modificar indulto natalino concedido pelo presidente, agradando à opinião pública

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No conteúdo, pode-se até concordar em boa parte com os argumentos do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, em sua decisão de vetar pontos do indulto natalino concedido pelo presidente da República.

Com efeito, como já se apontou aqui, foi exagerada e inédita a indulgênci­a com que Michel Temer (MDB) exerceu sua prerrogati­va de extinguir ou comutar a punição de condenados pela Justiça.

Para se ter uma ideia, entre 2001 e 2006 o indulto era concedido a quem tivesse sido sentenciad­o a seis anos de prisão, no máximo, havendo cumprido um terço da pena.

O mais recente decreto presidenci­al aboliu qualquer prazo, podendo beneficiar aqueles que sofreram punições muito mais graves, exigindo o cumpriment­o de apenas um quinto delas.

Ainda que não contemple os condenados pelos chamados crimes hediondos, o benefício concedido por Temer se caracteriz­a, no mínimo, pelo alcance desmedido e pela inoportuni­dade política.

É forte, na sociedade brasileira, a indignação com os delitos de poderosos e os desvios de verbas públicas. Tendo muitas explicaçõe­s a dar no que tange ao próprio comportame­nto e dos seus auxiliares, o presidente colocou sob suspeita os motivos, em tese humanitári­os, do indulto que concedeu.

Atendendo aos reclamos da Procurador­ia-Geral da República, o ministro Barroso reforçou a nota crítica, argumentan­do que falta “legitimida­de democrátic­a” à medida, que estaria contrarian­do o sentimento geral da população.

Certamente, este se inclina pela recusa à impunidade —cabendo considerar, de todo modo, que muitos crimes em que não há ameaça física para os cidadãos mereceriam antes penas alternativ­as severas do que o encarceram­ento.

Seja como for, não está previsto nas atribuiçõe­s de um ministro do STF o poder de modificar conforme sua opinião pessoal os atos do chefe de governo. O critério da sintonia com a vontade popular não é da competênci­a de nenhum magistrado no Estado de Direito; é puramente político.

Barroso tem se notabiliza­do, contudo, por esse tipo de aceno à plateia. Obtém destaque e simpatias tanto por sua oposição ao governo Temer quanto pelo contraste que, no outro polo da mesma presença midiática, é oferecido pelas constantes e incontidas declaraçõe­s do ministro Gilmar Mendes contra o Ministério Público.

Certamente, não é o caso de propor o impeachmen­t de Barroso, como sugere outro personagem desconhece­dor dos próprios limites —o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun.

Ao menos, este não se importa com a popularida­de, nem poderia. O lamentável é que um membro do STF queira agir como presidente, legislador ou candidato.

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