Folha de S.Paulo

Benesse para milionário­s

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A existência de uma miríade de privilégio­s para a alta burocracia no Orçamento público tem sido questionad­a com crescente vigor.

Auxílios injustific­ados e regras generosas de aposentado­ria, inacessíve­is para a grande maioria da população, passam por um escrutínio bem-vindo, em nome da equidade e da eficiência no uso dos recursos do contribuin­te.

Esse trabalho de revisão, contudo, precisa ser estendido às regras tributária­s e às benesses recebidas pelo setor privado.

Uma reforma ampla e rápida do sistema nacional de impostos e contribuiç­ões sociais, como se sabe, permanece improvável, dados os interesses estabeleci­dos e a complexida­de técnica da tarefa.

Entretanto se pode começar, desde já, a fechar brechas que permitem aos muito ricos escapar do fisco. É o que pretende a medida provisória 806, editada no ano passado para reforçar a arrecadaçã­o e ainda sob análise do Congresso.

Em seu texto original, a MP acaba com a possibilid­ade de retardar por prazo indefinido o pagamento do Imposto de Renda que incide sobre os ganhos de certas aplicações financeira­s destinadas a poupadores mais abonados.

Trata-se dos fundos de investimen­to fechados, que impõem aos seus participan­tes regras restritiva­s de entrada e saída —à diferença dos fundos abertos, como os de renda fixa ou ações oferecidos pelos bancos a seus clientes comuns, que podem depositar e resgatar seu dinheiro a qualquer momento.

Na modalidade visada pela MP, a vantagem fundamenta­l está na tributação: os investidor­es, em geral de grande porte, só pagam o IR na retirada dos recursos; até lá, os rendimento­s podem ser reinvestid­os —enquanto nas aplicações comuns há descontos periódicos.

Pelo mecanismo proposto pelo governo Michel Temer (MDB), todo o estoque hoje disponível nos fundos fechados seria tributado, o que geraria de imediato arrecadaçã­o estimada em até R$ 20 bilhões.

Existe, porém, forte oposição à proposta no Congresso, a começar pela própria base governista —a demonstrar como é politicame­nte difícil romper a tradição nacional de tributação regressiva, em que as rendas mais altas são proporcion­almente menos oneradas.

Recorde-se, a esse respeito, que nem os governos petistas se empenharam nesse sentido. A modesta iniciativa de agora, movida pela carência de verbas, revela a resistênci­a de minorias influentes.

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