Uma proposta em aberto
Entre os diversos matizes da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República, está o universo profundo e sensível da dignidade sexual. Há pouco tempo, a lei 12.015/2009 mudou radicalmente o título VI do Código Penal (“Dos crimes contra os costumes”) para indicar os ilícitos com adequada rubrica: “Dos crimes contra a dignidade social”. As ofensas atingem ambos os sexos, mas a repulsa social ao estupro e outros graves ilícitos é intensificada quando as vítimas são mulheres, justificando a severidade das penas previstas.
Um homem foi preso em flagrante por ter ejaculado em uma passageira dentro de um ônibus em São Paulo. Foi solto no pressuposto de que a malsinada conduta caracterizaria simples contravenção, prevista no artigo 61 da LCP (Lei das Contravenções Penais) e punida somente com multa: “importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”.
O caso gerou imensa e compreensível reação social pela impunidade e reiteração da nefasta prática pelo mesmo sujeito, que aparenta ser mentalmente desequilibrado.
A Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo ao projeto de lei nº 5.452-C/2016 do Senado Federal (PLS nº 68/2015), que prevê os delitos de importunação sexual e divulgação de cena de estupro.
A revogação do artigo 61 da LCP é clara evidência da neocriminalização, ou seja, a reação estatal que agrava hipóteses de infração penal já existente, amplia contornos típicos, aumenta penas ou reduz garantias do acusado. Esse é o perfil do proposto novo ilícito de importunação sexual, punível de um a cinco anos de reclusão, pela prática, “na presença de alguém e sem a sua anuência, [de] ato libidinoso, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
Apesar do louvável esforço do legislador e dos nobres movimentos de respeito à mulher, a norma incriminadora, tal como proposta, é uma caixa de Pandora que, aberta, espalhará diversos males de insegurança e terror.
Exemplos nos fazem refletir: (a) o sujeito frustrado poderá registrar, por vingança, um boletim de ocorrência contra a ex-namorada que, no cinema, beijava lascivamente um novo parceiro, pois não anuiu com aquele ato libidinoso; (b) no banco da praça onde descansa uma atenta senhora, um casal homossexual compartilha afagos, sendo, por isso, objeto de acusação de ato libidinoso público por parte dela.
Penso que o melhor caminho para suprir eventual lacuna normativa será a modificação do artigo 61 da LCP, assim: “importunar alguém, de modo ofensivo ao pudor, para satisfação da própria lascívia ou de terceiro”. Além de uma multa, deve ser cominada a reclusão, atendendo à proporcionalidade entre pecado e castigo.
Um grande avanço do “disegno di legge” [projeto de lei] é a criminalização da torpe propagação de cena de estupro, de sexo, nudez ou pornografia (art. 218-C) por inúmeros meios, a exemplo do WhatsApp. Mas é essencial aprimorar a redação do caput porque multiplica desnecessariamente os verbos típicos, caracterizando a “técnica de espingarda de cano cerrado” pela ampla dispersão do chumbo. É preciso, ainda, rever a conveniência de alguns outros tipos (218-D e 225).
O texto substitutivo ainda voltará ao Senado. Abre-se, então, a oportunidade para a revisão de vícios como o abusivo aumento de algumas penas e a falta de técnica de redação legislativa. RENÉ ARIEL DOTTI,
O chargista Claudio Mor (Opinião, 16/3) encarnou de forma brilhante o sentimento de indignação que toma conta do povo diante de tanta injustiça e violência.
GERALDO T. SANTOS ALMEIDA
Inteligente a mensagem transmitida pela charge. Expressa duas realidades completamente opostas, que explicam como chegamos a uma sociedade injusta, egoísta e sem noção.
MARIA EFIGÊNIA BITENCOURT TEOBALDO
Será que essa mulher corajosa, além de proteger as minorias e denunciar [injustiças praticadas contra elas], não seria lembrada na próxima eleição? Será que aqueles que sempre se levantam, ousando ouvir e se fazer ouvir, serão excluídos (assassinados)?
SIDNEI GARCIA
Marielle Franco e Anderson Gomes foram vítimas de assassinatos políticos. É espantoso que, neste jornal, o fato tenha sido relegado a um canto da Primeira Página e ao caderno Cotidiano (15/3) como se fosse notícia corriqueira sobre a violência no Rio. Essas execuções sumárias têm vínculos fortes com a violência sem fim. Mas seus objetivos e significados no contexto da nossa combalida democracia não podem ser eludidos, precisam ser nomeados e analisados. Estamos indignadas com esse tratamento editorial.
LENA LAVINAS,
SONIA CORRÊA,
Marielle Franco é —veja bem, “é”, não “era”— deslumbrante, mágica e lutadora. Conviveu com as adversidades e nos mostrou como vencê-las. Só não pôde vencer os monstros enviados para assassiná-la.
MARIZA BACCI ZAGO E ANTONIO PEDRO ZAGO
Se o fim da prisão após condenação em segunda instância for aprovado, também estará aprovada a perpetuação da impunidade no país. Esse parece ser o desejo dos defensores dos corruptos (“Aos 4 anos, Lava Jato vê fim da prisão em 2ª instância como maior ameaça”, Poder, 16/3).
LUIZ ROGÉRIO DE CARVALHO
Judiciário A leitora Maria Cecilia de Arruda Navarro (Painel do Leitor, 16/3), ao criticar deselegantemente o texto “A Justiça pede justiça” (Tendências / Debates, 15/3), ou não leu o texto, ou não o compreendeu. A mobilização do dia 15/3 não se deveu ao auxílio-moradia, mas à perda inflacionária de mais de 40% do valor dos vencimentos dos juízes. A revisão geral anual é um direito constitucional descumprido há anos. A leitora um dia poderá ter também seus direitos constitucionais desrespeitados; e, nesse caso, procurará um juiz. A ele sua demanda não parecerá vergonhosa.
GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO,
Quando criança —lá nos idos de 1950— meu pai, ao dar-nos a noção do respeito, apontava para o juiz de direito como um dos merecedores de toda a reverência. Hoje, embora tenham protagonizado louváveis ações moralizadoras, a imagem quase sacrossanta do passado sofre um severo embotamento com essa greve.
MAHMUD AHMED
Impeachment Carlos Marun só não pode ser tido como uma piada, mesmo que de gosto duvidoso. Ameaçar propor o impeachment de ministros do STF é um delírio, uma atitude contra o Estado democrático de Direito e um desrespeito ao Poder Judiciário. Como já disse a ministra Carmen Lúcia, sem um Judiciário forte, não teremos uma democracia.
ANTÔNIO DILSON PEREIRA
É triste ver o governo ameaçar de impeachment o ministro Luís Roberto Barroso, que é impecável no combate ao crime e à corrupção. Trata-se de é um dos melhores ministros da história do STF.