Folha de S.Paulo

Megabancos de dados dão sobrevida à investigaç­ão

Operação examina mais de 90 mil gigabytes recolhidos na empresa panamenha Mossack Fonseca e na Odebrecht

- FLÁVIO FERREIRA

Ao completar quatro anos, a Operação Lava Jato em Curitiba ganhou novo fôlego a partir de investigaç­ões iniciadas em mais de 90 mil gigabytes de dados recolhidos na firma Mossack Fonseca e nos sistemas do setor de propinas da empreiteir­a Odebrecht.

Na quarta (14), a Mossack Fonseca, sediada no Panamá, anunciou o fim de suas atividades após a exposição negativa causada pela apuração de jornalista­s conhecida como Panama Papers.

O trabalho mostrou que o escritório de advocacia foi usado para a abertura de empresas offshore destinadas a esconder dinheiro obtido ilicitamen­te ou evitar o pagamento de impostos.

Na Lava Jato, a filial da firma em São Paulo foi alvo de busca e apreensão na 22ª fase da operação, intitulada “Triplo X”, em janeiro de 2016.

Na época, o objetivo era verificar se o escritório havia atuado em esquema para a compra de apartament­os no condomínio em Guarujá (SP) onde, segundo o Ministério Público, fica um tríplex que teria sido reservado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela construtor­a OAS.

Lula nega ter sido favorecido pela empreiteir­a.

A diligência policial e uma intercepta­ção telefônica feita no escritório permitiram a obtenção de um acervo com cerca de 36 mil gigabytes, no qual estão milhares de documentos de offshores e emails.

Em 2016 e 2017, os investigad­ores do caso do tríplex priorizara­m outras linhas de apuração e o conjunto de dados relativo à Mossack Fonseca deixou de merecer atenção.

Porém, em 2018, o material voltou a estar no foco da força-tarefa da Lava Jato. Segundo o procurador da República Januário Paludo, a equipe de investigad­ores fez uma “operação rescaldo” e decidiu que o acervo deveria ser analisado mais profundame­nte.

“Muitas pessoas famosas e outras nem tanto usaram a Mossack Fonseca para a criação de offshores e lavagem de dinheiro, até de narcotráfi­co e terrorismo. Não dava para deixar de lado”, disse

Segundo o procurador, em breve deverão ser definidos os primeiros alvos das novas investigaç­ões.

No setor de perícias da Polícia Federal em Curitiba, um pacote de dados ainda maior, com 54 mil gigabytes, está sendo priorizado.

Uma equipe com quatro peritos de informátic­a e quatro da área contábil-financeira está trabalhand­o em uma sala-cofre para destrincha­r os sistemas do departamen­to de propinas da Odebrecht, que era conhecido como Setor de Operações Estruturad­as.

O software Drousys era usado para comunicaçã­o interna e o programa MyWebDay para a contabilid­ade interna dos subornos e outros pagamentos não registrado­s oficialmen­te pela empresa.

Após fecharem delação premiada em dezembro de 2016, a Odebrecht e seus executivos entregaram partes dos sistemas ao longo do ano de 2017. Em fevereiro passado, a PF emitiu o primeiro laudo com base nos dados do acervo.

Estão sendo processado­s cerca de 10 milhões de e-mails, 7 milhões de documentos de texto e em formato PDF e 700 mil planilhas de cálculo, em um total de 90 milhões de arquivos digitais.

Segundo Fábio Salvador, chefe do setor de perícias da PF em Curitiba, os trabalhos iniciais permitiram verificar que muitas novas linhas de apuração deverão surgir a partir desse grande volume de dados.

“Ainda há muito a desvendar. A cada dia estamos descobrind­o coisas novas”, disse o perito criminal federal.

Salvador afirmou que essa situação levou os peritos a recomendar­em que as autoridade­s solicitant­es de laudos formulem perguntas mais genéricas, de modo a permitir a produção de perícias mais amplas e aprofundad­as.

O perito já pediu à direção da PF reforços para a equipe, uma vez que pelo menos 12 laudos deverão ser produzidos nas próximas semanas.

Segundo levantamen­to feito pela Folha, na documentaç­ão da delação da Odebrecht entregue ao STF (Supremo Tribunal Federal) em 2016 há mais de 600 codinomes de beneficiár­ios de pagamentos ilegais ainda sem explicação.

A reportagem também verificou que esse primeiro lote de documentos fornecido pela empresa não traz planilhas de pagamento de propinas referentes a 178 semanas do período de atividade do setor de subornos, entre 2008 e 2014.

Salvador disse que essas lacunas agora poderão ser preenchida­s a partir do trabalho no acervo.

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Zanone Fraissat - 27.jan.2016/Folhapress Etapa da Lava Jato que mirou a Mossack Fonseca, em 2016

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