Folha de S.Paulo

A OMC na Rodada Trump

- DEMÉTRIO MAGNOLI

TEMER EXPLICOU a reação brasileira às tarifas impostas pelos EUA sobre as importaçõe­s de aço. O plano A é negociar isenções com Washington. Na hipótese de fracasso, o plano B é recorrer ao tribunal da Organizaçã­o Mundial de Comércio (OMC). A armadilha montada por Trump funciona: cada um desses passos, que serão adotados por diversos outros países, contribui involuntar­iamente para demolir o sistema multilater­al de comércio.

As tarifas não são, em si mesmas, um fator relevante para a economia global. George W. Bush já havia ensaiado proteger a siderurgia americana, mas sob justificat­ivas diferentes, subordinad­as às regras normais de arbitragem da OMC. A novidade é que Trump utiliza os instrument­os do protecioni­smo para avançar a estratégia nacionalis­ta de “America First”: resgatar empregos nos EUA é apenas o pretexto para uma operação de sabotagem das regras do jogo.

O primeiro elemento da armadilha encontra-se na justificat­iva pela incongruên­cia entre taxas alfandegár­ias lineares e o consumo efetivo de aços especiais em demandas do Pentágono quanto pelo fato de que os maiores exportador­es de aço para os EUA são, precisamen­te, aliados americanos (Canadá, União Europeia, Coreia do Sul, México, Brasil, Japão e Taiwan). Mas a invocação praticamen­te anula a possibilid­ade de arbitragem na OMC, pois transfere o tema para o campo geopolític­o da soberania nacional.

A corrente nacionalis­ta que forma o núcleo do governo Trump explora perversame­nte os limites do sistema diante de reclamaçõe­s dos exportador­es (como o Brasil), o tribunal da OMC conclui que a segurança nacional extrapola sua jurisdição, Washington “legaliza” suas tarifas, desmoraliz­ando o livro de regras do comércio global. Por outro lado, se o tribunal impugna a alegação americana, Trump ganha o pretexto ideal para retirar os EUA da OMC. De um jeito ou do outro, cria-se o precedente histórico para a violação generaliza­da de acordos multilater­ais fundados no interesse comum e na crença na boa-fé de todas as partes.

O segundo elemento da armadilha é a provisão americana de isenções seletivas, baseadas em negociaçõe­s bilaterais. Analistas econômicos de visão curta saudaram as isenções concedidas ao Canadá e da evolução das negociaçõe­s sobre a reforma do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) pretendida por Trump. Em tese, o princípio bilateral aplicado no caso dos parceiros do Nafta estende-se potencialm­ente aos demais países (como o Brasil). O presidente americano esclareceu que está aberto a barganhas –e que as permutas viáveis não se circunscre­vem ao terreno comercial.

No mercado de escambo trumpiano, as tarifas sobre o aço podem ser trocadas pela eliminação de taxas do parceiro sobre outros produtos, por iniciativa­s protecioni­stas do parceiro contra terceiros países (como a China) ou mesmo pela submissão a prioridade­s políticas americanas. No caso dos aliados europeus, o presidente americano chegou a sugerir que isenções poderiam derivar da ampliação dos gastos com a defesa. Tudo isso, que se deve batizar como uma “Rodada Trump” de negociaçõe­s jogo das regras no ácido do poderio geopolític­o e militar.

A OMC foi criada sob uma algazarra de protestos da “nova esquerda”. As reuniões ministeria­is da fracassada Rodada Doha foram palcos de violentas manifestaç­ões patrocinad­as por sindicatos e organizaçõ­es de esquerda. Na sua ofensiva contra o sistema multilater­al de comércio, Trump cumpre um programa compartilh­ado pela direita nacionalis­ta e pela esquerda antiglobal­ização.

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