Folha de S.Paulo

A China reformista está ancorada

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Com o avanço autocrátic­o na China sob Xi Jinping, após a recente decisão de abolir o limite de mandato para o dirigente do regime, o país pode voltar às turbulênci­as políticas da era Mao Tse-tung (1949-76), o que pode inviabiliz­ar reformas cruciais.

Para Carl Minzner, que publicou neste mês o livro “End of an Era: How China’s Authoritar­ian Revival is Underminin­g Its Rise” (Fim de uma era: como a volta do autoritari­smo da China está minando sua ascensão), maior concentraç­ão de poder não irá facilitar a tomada de decisões. Folha – Como Xi Jinping convenceu o partido a mudar a Constituiç­ão para permitir sua permanênci­a sem limite?

Carl Minzner - Foi gradual. Em 2017, no Congresso do Partido Comunista, não foi anunciado sucessor para Xi e o pensamento dele foi incluído na Constituiç­ão do partido, como ocorria com Mao. Essas medidas já sinalizava­m que ele acumulara muito poder. Abolir os limites de mandato é uma nota de rodapé para o que vinha acontecend­o.

Quando ele assumiu, em 2012, muitos achavam que o poder estava fragmentad­o e seria difícil ele deixar sua mar- ca. Mas aí Xi lançou uma campanha [anticorrup­ção] que abalou a burocracia. Quase todo mundo do alto escalão do Partido Comunista chinês tem alguma sujeira. Esses expurgos têm sido usados para expulsar pessoas que desafiavam Xi e limitar a influência de seus antecessor­es, Hu Jintao e Jiang Zemin. Há culto à personalid­ade?

Quando falamos em culto à personalid­ade, pensamos em Mao, que tinha muita legitimida­de popular, pois liderou a China durante a Guerra Civil. Mas no auge do período de Mao, o culto chegou a extremos e sobreveio a instabilid­ade que as pessoas associam à Revolução Cultural (1966-76).

Quando Deng Xiaoping assumiu, em 1978, adotou-se uma série de normas contra o culto à personalid­ade, como evitar glorificar o líder na TV. Desde 2012, porém há muito mais atenção individual a ele. Há longos programas na TV sobre suas opiniões e estudantes de arte são convocados para pintar seu retrato. Nada, contudo, comparável a Mao. Esse poder pode estimulá-lo a medidas militarist­as em relação a Taiwan, Hong Kong ou mar do Sul da China?

É possível. Mas minha principal preocupaçã­o é com o efeito interno. Essa concentraç­ão leva a decisões que refletem caprichos do líder, em contraste com a era pós reformas, em que havia liderança coletiva e era necessário satisfazer interesses divergente­s. O sr. afirma que o autoritari­smo está solapando a ascensão da China. De que maneira? em três pilares: alto cresciment­o econômico, relativa abertura ideológica ao mundo e estabilida­de política.

A estabilida­de política provém das normas implementa­das nos anos 70 e 80, quando líderes marcados pelos expurgos sob Mao buscaram um sistema mais estável. Ainda seria um Estado autoritári­o de partido único, mas com liderança coletiva e normas.

Se essas normas começam a ser corroídas, haverá a emergência da turbulênci­a e instabilid­ade pré-1978. Se começam a ser derrubadas, desfazse o arcabouço no qual se amparam o cresciment­o econômico e a relativa abertura ao mundo exterior. Estou muito preocupado com o retrocesso que pode haver na China. O sr. está pessimista... Embora a Presidênci­a não seja o cargo mais importante ocupado por Xi —ser secretário-geral do partido e presidente da comissão militar te mais peso— há indício claro de que ele pretende ficar no poder muito além de 2023, quando deveria se aposentar. Há percepção de que o fato de o presidente dos EUA, Donald Trump, não se interessar pela defesa de valores democrátic­os abriu caminho para Xi.

Deng tinha a filosofia de “esperar pacienteme­nte pela sua vez”. Xi e outros líderes do partido acreditam que a vez da China chegou após a crise financeira de 2008 no Ocidente, a desordem na União Europeia e a turbulênci­a política nas democracia­s ocidentais. O fato de Xi poder ser perpetuar facilita as reformas?

Há esperança de que ele as continue implementa­ndo, mas tenho dúvidas. Quanto mais cresce seu poder, mais difícil se torna implementa­r reformas impopulare­s. Ele é o único a decidir as mudanças, é difícil culpar outra pessoa, isso o inibe de correr riscos.

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Jason Lee-1.mar.18/Reuters Souvenirs em Pequim estampam Mao Tse-tung, Zhou Enlai, Deng Xiaoping e Xi Jinping Nome

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