Folha de S.Paulo

Vivendo sob a cartilha de Trump

- MARCOS SAWAYA JANK COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

A DECISÃO dos EUA de sobretaxar de forma horizontal as importaçõe­s de aço em 25% e de alumínio em 10% por motivo de “segurança nacional” representa imenso retrocesso no sistema multilater­al de comércio, criado no pós-guerra do século 20.

A reação do mundo a essa decisão —de duração ilimitada e típica de períodos de guerra— foi imediata. Além de recorrer à OMC, que se mostra cada vez mais debilitada como órgão regulador do comércio, vários países ameaçaram retaliar os EUA: a Europa falou em taxar o uísque bourbon, o jeans Levi’s e as motos Harley-Davidson; a China ameaçou taxar o carvão, a soja e o sorgo americanos, e por aí afora.

Engana-se quem acha que o Brasil vai sair lucrando numa eventual escalada global de retaliaçõe­s. Em briga de elefantes, quem sempre apanha é a grama. Na troca de tiros de bazuca entre os grandes, quem lucra são setores ineficient­es, como o aço americano. O resultado líquido para o mundo tende a ser negativo, tanto em comércio como na expressão

Ilude-se quem acha que o Brasil vai ganhar só porque a China disparou ameaças de retaliação contra a soja americana pela mídia. Na segunda passada (12), Patrick Yu, presidente da estatal COFCO, a maior empresa do agronegóci­o do país asiático, disse que o suprimento de soja americana é fundamenta­l para o consumidor chinês, salientand­o a forte complement­aridade entre os dois países e o elevado interesse de investimen­tos da China nos EUA nesse segmento.

AChinanãot­eminteress­ealgumem retaliar um país com o qual mantém e sabe fazer melhor do que qualquer país há milênios, é negociar o impasse com estratégia e firmeza.

Em colunas anteriores na Folha (18/02/17 e 25/11/17), eu já havia alertado para o risco de uma nova era de mercantili­smo extremo. Infelizmen­te o risco agora se concretiza, e há sinais claros de que o Brasil tende a perder mais do que pode ganhar.

Pressões recentes dos Estados Unidos sobre a China, o Japão, a Coreia, o México e outros 12 países com os quais o país detém déficits comerciais acima de US$ 10 bilhões já estão gerando barganhas e que perdeu a sua competitiv­idade há décadas, Trump ameaça o mundo com um neomercant­ilismo rude e primitivo.

Nos últimos dias, correu em Washington a notícia de que Trump pretende propor uma cartilha para definir os “aliados” dos Estados Unidos que mereceriam isenção da sobretaxa do aço. Ela seria composta de diretrizes como a comprovaçã­o da aplicação de medidas de defesa comercial, a participaç­ão em um fórum global sobre excesso de capacidade de produção de aço, a aceitação de uma cota anual baseada nos volumes históricos de comércio e uma parceria com os Estados Unidos na área de segurança global. Trata-se da cartilha de uma nova “lei da selva” que separa ganhadores e perdedores de que a indústria protegida. Vão também contra o interesse das empresas transnacio­nais americanas, altamente globalizad­as graças às normas do sistema multilater­al de comércio que os EUA ajudaram a criar e defenderam arduamente ao longo dos últimos 70 anos. Irônico e triste. MARCOS SAWAYA JANK marcos@jank.com.br

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