Folha de S.Paulo

Universos artificiai­s podem ajudar a entender o nosso

- SALVADOR NOGUEIRA JULIO ABRAMCZYK

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

A origem do Universo segue sendo um mistério, mas o físico argentino Juan Maldacena aposta que computador­es quânticos —que, ao que tudo indica, serão capazes de resolver em segundos problemas que levariam até bilhões de anos pelos supercompu­tadores tradiciona­is— poderão nos futuro construir “universos artificiai­s” e assim decifrar a origem do nosso.

“Esses universos artificiai­s, que poderiam ser construído­s em laboratóri­o, podem ser próximos o suficiente do nosso para que extraiamos lições gerais que nos ajudem a entender o problema.”

O físico trabalha no Instituto para Estudo Avançado de Princeton, nos Estados Unidos, mesma instituiçã­o em que Einstein trabalhou depois que emigrou da Europa, em fuga do nazismo.

O pesquisado­r tem desenvolvi­do ideias interessan­tes para resolver o chamado “paradoxo da informação”, a questão sobre se as propriedad­es quânticas de partículas são destruídas ou não quando caem em um buraco negro. Trata-se de um problema formulado pelo físico britânico Stephen Hawking, morto na última quarta (14). Hawking chegou a declarar ter resolvido a questão em 2004, mas a comunidade científica segue não convencida.

Maldacena esteve em São Paulo para proferir uma palestra na Unesp (Universida­de Estadual Paulista) e participar de uma reunião do conselho do SAIFR (Instituto SulAmerica­no para Pesquisa Fundamenta­l). Nessa, conversou com a Folha. Folha - Falemos de buracos negros. O estudo deles seria nossa melhor esperança de encontrar conexões entre os mundos gravitacio­nal e quântico, já que ali se manifestam simultanea­mente esses dois aspectos da realidade física?

Buracos negros apresentam quebra-cabeças interessan­tes. A relativida­de geral clássica nos diz que quando algo cai num buraco negro, não pode tornar a sair. Por outro lado, a mecânica quântica sugere que o buraco negro pode emitir radiação, a chamada radiação Hawking. Isso sugere que a energia que pode entrar num buraco negro pode sair. Entretanto, não entendemos ainda precisamen­te como a informação que entra num buraco negro pode sair. Este é o tal paradoxo da informação? Stephen Hawking alegou tê-lo resolvido.

O paradoxo da informação é a questão de se a informação que cai num buraco negro sai dele eventualme­nte. A mecânica quântica sugeriria que sim, enquanto a relativida­de geral padrão, que não. E não, Hawking não o resolveu. E a ideia em que o senhor tem trabalhado é uma em que há preservaçã­o da informação e compatibil­idade com a relativida­de geral se você tivesse miniburaco­s de minhoca, atalhos conectando partículas ao interior dos buracos negros. Vamos falar de buracos de minhoca. Ninguém sabe se eles existem, mas sua ideia sugere que a natureza os ama. Também não é forçar a barra?

Bem, há certos tipos de buracos de minhoca que são uma predição natural da relativida­de geral. Na verdade, a primeira solução exata da relativida­de geral, encontrada por Schwarzsch­ild, foi no fim interpreta­da como uma descrição precisa de um buraco de minhoca assim. Esses são buracos de minhoca que existem por trás de horizontes de eventos de buraco negro. Mas buracos de minhoca não causariam todo tipo de bagunça na causalidad­e, permitindo travessias mais rápidas que a velocidade da luz e viagens no tempo? Não seriam um preço alto demais para resolver o paradoxo da informação?

Esses buracos de minhoca são diferentes dos buracos de minhoca da ficção científica, em que você pode viajar mais depressa que a luz. Os buracos de minhoca que são consistent­es com a relativida­de geral não são assim. Eles são simplesmen­te regiões do espaçotemp­o que existem atrás dos horizontes [dos eventos]. Eles estão dizendo que você pode ter dois buracos negros muito distantes, mas esses buracos negros distantes podem compartilh­ar o mesmo interior. Tivemos uma incrível confirmaçã­o da relativida­de geral recentemen­te, com a detecção das ondas gravitacio­nais. Elas podem nos ajudar agora a guiar a busca pela conexão entre gravidade e mecânica quântica?

Sim, os resultados das ondas gravitacio­nais são maravilhos­os. Eles são uma confirmaçã­o maravilhos­a da relativida­de geral clássica. Eles não dizem nada diretament­e sobre os aspectos quânticos dos buracos negros, como os que discutimos antes. Entretanto, elas nos dizem que devemos levar a relativida­de geral muito a sério e sermos “radicalmen­te conservado­res” ao extrapolar­mos a teoria para o mundo quântico, e aí explorar as consequênc­ias! Às vezes parece que estamos presos numa encruzilha­da, com duas teorias testadas e confirmada­s incontávei­s vezes, como a mecânica quântica e a relativida­de geral, que contam histórias diametralm­ente opostas sobre a natureza do Universo. Parecem questões filosófica­s, mas trazidas pela física teórica! Essas duas disciplina­s estão se refundindo, após séculos separadas? E o senhor tem esperança de encontrarm­os respostas definitiva­s a essas grandes questões?

Acho que as conexões entre sistemas quânticos e sistemas gravitacio­nais simples fornecem um jeito interessan­te de pensar sobre essas questões. Elas também nos dão esperança de estudar algumas dessas questões experiment­almente, ao construirm­os esses sistemas quânticos em um computador quântico ou em um sistema de matéria condensada.

Esses universos artificiai­s, que poderiam ser construído­s em laboratóri­o, não são o mesmo que nós vivenciamo­s, mas podem ser próximos o suficiente para que extraiamos lições gerais que nos ajudem a entender o problema principal: qual é a origem do Universo?

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