Folha de S.Paulo

Clichês e banalidade­s ofuscam acertos de Giovana Madalosso

- DANIEL DE MESQUITA BENEVIDES

Borrando linhas e fronteiras, ela tenta superar as formas, ou seja, aquilo que fornece coerência e sustentaçã­o —muitas vezes ilusórias— a um texto ou vida humana.

O final deixa muita coisa aberta, permitindo ao leitor fornecer as próprias soluções. “Pois o que é uma pergunta senão um espaço vazio? Um espaço que busca ser preenchido de novo com sua porção do infinito?”, indaga Krauss.

Pelo controle perfeito do que diz e do que oculta, “Floresta Escura” é a literatura construída com brilhantis­mo —que vem da segurança de ter o que dizer e de saber como dizer.

FOLHA

Camila é garçonete num restaurant­e da moda. Embora inteligent­e e esperta, não tem ambições como a maioria das pessoas. Vive do emprego e principalm­ente de furtos esporádico­s. Suas vítimas são homens e mulheres que escolhe pela aparência e riqueza.

Como é muito bonita e sedutora, não tem dificuldad­e de se enfiar em suas camas e ter acesso a gavetas e armários. O espólio da refrega galante vai parar no brechó da amiga Tiana, uma trans que finge não saber a origem das peças de grife que recebe.

Certo dia, Biel, um pilantra de passaporte surrado, a aborda com seu indefectív­el Fedora e uma proposta irrecusáve­l: R$ 50 mil para roubar a primeira edição de “O Guarani”, de JosédeAlen­car,datadade18­57.

O patrocinad­or do golpe é uma figura excêntrica de túnica, moradora num apartament­o lotado de obras de arte em Higienópol­is (muito parecida com um conhecido exeditor de São Paulo).

“Tudo Pode Ser Roubado”, o primeiro romance de Giovana Madalosso, que lançou o promissor livro de contos “A Teta Racional”, trafega por uma São Paulo marginal e cosmopolit­a com a mesma naturalida­de de sua narradora/personagem central: seduz o leitordist­raídoeroub­a-lheaatençã­o. O livro mais parece um roteiro de cinema ou série de TV.

É quase possível ouvir a narração, de tanto que ela lembra uma voz em off, com observaçõe­s em doses equilibrad­as de cinismo e humor.

A construção das cenas é fotográfic­a, com direito a direção de arte e figurino —ambientes e roupas são sempre descritos com agilidade pop.

A cidade é mostrada em sua diversidad­e, da riqueza de festas dionisíaca­s à miséria das sarjetas e seus viciados. O olhar da narradora parece se deslocar em ângulos inesperado­s e travelling­s, closes e zooms. Num dado momento chega a desejar estar num filme para poder visualizar o almejado “Guarani”.

Mas essa facilidade imagética esconde também muitos problemas. Os diálogos, com algumas exceções, variam entre o artificial e o banal. Os personagen­s são quase todos caricatos ou previsívei­s.

A descrição das aulas do professor (e alvo do furto) mostra um sujeito politicame­nte correto no limite da ingenuidad­e, que incita seus alunos a “empunhar a pena” para “transforma­r a sociedade”.

Algumas piadas se repetem demais (as listas, a porcentage­m do sorriso), há súbitas variações de tom entre o poético, o existencia­l, o meramente mundano e até o juvenil e há fatos sem sentido.

Eventuais bons momentos perdem o brilho a cada clichê ou cena mal resolvida. Como muitos autores de sua geração, Madalosso, que se insere, digamos, entre um Raphael Montes e uma Fernanda Torres, também se utiliza de anedotas culturais bizarras para tornar o caldo mais saboroso.

Funciona, despertand­o 70% de sorriso no leitor. Mas é um recurso fugaz, como os enfeites que adornam o manequim do brechó. E faz pensar, de alguma forma, na cena em que Camila carrega o manequim, nu, em meio à chuva —sem saber por quê. AUTORA Giovana Madalosso EDITORA Todavia QUANTO R$ 49,90 (192 págs.) AVALIAÇÃO regular

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