Nova música sertaneja pega carona na alta do agronegócio
Feiras agropecuárias impulsionam gênero, que divide espaço com rock
FOLHA
Na sola da bota de quem escuta no fone ou na palma da mão de quem aperta play em um aplicativo, a música sertaneja produzida no Centro-Oeste do Brasil é a principal preferência do público.
O gênero, que hoje domina festivais e listas de faixas mais tocadas do Spotify e do YouTube, vem ganhando espaço nas paradas desde 2004.
O aumento da relevância desse tipo de música acompanha o crescimento do agronegócio no país a partir do boom das commodities, de acordo com especialistas.
“A música se difundiu com as feiras do agronegócio”, afirma Paulo Cesarino, dono do estúdio Up Music, em atividade há 20 anos e onde já gravaram artistas como Gusttavo Lima, Michel Teló e Guilherme & Santiago.
Mas uma mudança anterior foi fundamental para sedimentar o sucesso. No início dos anos 2000, o sertanejo incorporou outros gêneros e virou o sertanejo universitário.
“O sertanejo sempre foi a música dos mais jovens. Quando surge o sertanejo universitário, em 2001 e 2002, os artistas começam a trazer outras influências e flertar com o pop. Isso fez o gênero despontar em festas e bares”, diz Marcus Vinícius Castro, diretor artístico da Audiomix.
A empresa faz o maior festival do gênero no Brasil, o Villa Mix, e produz nomes como Jorge & Mateus, Matheus & Kauan e Simone & Simaria. “O sertanejo universitário flerta com rock, forró, funk. Consegue mudar sem perder a essência”, diz Castro.
Esse processo de transformação da música seguiu lado a lado com o desenvolvimento de uma estrutura para projetá-la. E Goiânia se firmou como o principal centro de onde o sertanejo irradia.
Com estúdios e produtoras, a cidade também oferece um ambiente favorável ao gênero. Desde 1995, a capital de Goiás hospeda alguns dos principais festivais de música do país, sendo o Goiânia Noise o primeiro deles. Isso inspirou eventos voltados ao público sertanejo.
Em 2004, as feiras começaram a sediar shows de sertanejo universitário. “A alta do PIB agropecuário está ligada ao crescimento da música sertaneja no Brasil. Como o sertanejo vive de vender músicas nas feiras agropecuárias, foi privilegiado”, afirma Cesarino, do Up Music.
O Caldas Country, primeiro grande festival do gênero, seguiu o embalo das feiras e fez sua primeira edição em 2006, em Caldas Novas (GO). Cinco anos depois, foi a vez do Villa Mix, em Goiânia. O festival chegaria a outras cidades e até ao Paraguai. DIVERSIDADE O sertanejo, porém, cresce num ambiente diverso. “De 2002 a 2006, houve um ‘boom’ do rock em Goiânia. De uma produção mais ou menos amadora, começamos a fazer uma coisa profissional. Surgiram shows de todos os tipos”, diz o produtor cultural goiano Carlos Brandão.
Um dos eventos mais importantes é o Festival Bananada, que completa 20 anos em 2018. “A ideia é criar uma conexão da música em Goiânia com o contexto de cultura no Brasil e no mundo”, afirma Fabricio Nobre, um dos fundadores. Para ele, o objetivo é também ser uma espécie de resistência à música sertaneja.
“O Bananada acontece no segundo fim de semana do mês de maio, que é quando começa a feira agropecuária. É de propósito, para ser uma opção”, afirma Nobre.
Apelidada de “Goiânia Rock City”, a capital de Goiás também lançou bandas. “A cidade ajudou a música autoral a crescer”, diz Helio Flanders, vocalista do grupo Vanguart, que surgiu em Cuiabá em 2003 e fez seus primeiros shows em Goiânia.
“Tudo que existe na cidade hoje é fruto dos festivais”, afirma Macloys Aquino, guitarrista da banda goiana Carne Doce. “Isso criou uma cultura de fomento. Você monta uma banda em Goiânia, mas vai se tornando conhecido no país inteiro.”