Folha de S.Paulo

Nova Guerra Fria é ‘fake news’

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Mathias Alencastro, quinta: Clóvis Rossi, domingo: Clóvis Rossi

MANCHETE DE Le Monde deste sábado (17): “Contra Putin, frente unida com perfume de Guerra Fria”.

El País também evocou uma “nova Guerra Fria”, a partir das reações dos grandes países ocidentais a ações (supostas ou reais) da Rússia.

É um exagero comparar os incidentes atuais com a Guerra Fria, por uma razão simples: no confronto antigo, tratava-se de uma disputa ideológica para ganhar países clientes, para um lado ou para o outro.

Hoje, a Rússia funciona, pura e simplesmen­te, como “spoiler”, um desmancha-prazeres do Ocidente, porque ninguém em sã consciênci­a cogitaria copiar o modelo russo, aliás “incopiável”.

O comunismo perdeu a Guerra Fria para o capitalism­o. O que se instalou na Rússia desde o fim da União Soviética pode ser descrito de várias maneiras, nenhuma delas atraente. Gregory Feifer, diretor-executivo do Instituto de Assuntos Mundiais pessoais (embora algumas restrições tenham reaparecid­o mais recentemen­te)”.

Os russos compraram a oferta, pela simples e boa razão de que ao fracasso do comunismo seguiu-se uma orgia político-econômica em que “os russos ricos acumularam riqueza no exterior cerca de três vezes maior que o valor líquido das reservas externas do país”, segundo levantamen­to do Escritório Nacional de Pesquisa Econômica. mais significat­ivo do que o que ocorreu nos países anteriorme­nte comunistas do Leste Europeu e na China. Como, no chamado Terceiro Mundo (campo de batalha preferenci­al da Guerra Fria), a desigualda­de já é uma lacra tremenda, quem é que se interessar­ia por seguir esse modelo?

Até porque são os bilionário­s e oligarcas que sustentam o putinismo. É sintomátic­o, a propósito, que oligárquic­a”.

Não quer dizer que Putin não seja perigoso. O já citado Feifer diz que “a Rússia poderia eventualme­nte tomar lugar de vanguarda no autoritari­smo de direita”.

Até certo ponto, já tomou: trabalhou para colocar no segundo turno Marine Le Pen, a líder da extremadir­eita francesa. Conseguiu. Ela perdeu no segundo turno e depois disso minguou muito, mas há uma inegável ascensão mundial do autoritari­smo de extrema-direita, de que Putin acaba sendo o campeão.

Ainda assim, a Rússia de Putin continua sendo apenas um “spoiler”, não um modelo a seguir. A verdadeira 23,8% de seu território, 48,5% de sua população, 41% de seu PIB, 39,4% de seu potencial industrial e 44,6% de seu potencial militar, pelas contas do próprio Putin.

Como não pode confrontar a China, só lhe resta mesmo atazanar a vida do Ocidente.

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