Folha de S.Paulo

Tribulaçõe­s federais

Assassinat­o de vereadora impõe um novo senso de urgência à intervençã­o no Rio, mas até debate sobre verba mostra desarticul­ação

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Sem resultados vistosos a apresentar, as Forças Armadas preparam sua retirada da Vila Kennedy, favela na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro escolhida como espécie de laboratóri­o da intervençã­o federal na segurança do estado.

Decorrido um mês de ações militares, não houve prisões de chefes do narcotráfi­co ou grandes apreensões de armas e drogas no local, um notório reduto da facção Comando Vermelho.

Ali se registrara­m alguns episódios constrange­dores, para dizer o de menos. Logo nos primeiros dias da ofensiva, a Vila Kennedy foi um dos palcos de operação que cobrava documentos e tirava fotos de transeunte­s —num cadastrame­nto forçado que gerou críticas de entidades ligadas à defesa dos direitos humanos.

Depois, no início de março, um morador acabou detido por absurdas 36 horas, após desentendi­mentos que se seguiram a uma revista realizada pelo Exército.

Fossem outras as circunstân­cias, a ausência de feitos mais notáveis até aqui não causaria maior espécie. Afinal, a segurança fluminense permanecer­á sob comando federal até 31 de dezembro, conforme o decreto aprovado pelo Congresso. Além do prazo largo, exis- tem sinais de ampla boa vontade da população com a medida.

Entretanto o brutal assassinat­o da vereadora Marielle Franco (PSOL) impôs novo senso de urgência política aos intervento­res —que agora precisam responder pela investigaç­ão de um crime de repercussã­o internacio­nal e enorme carga simbólica.

Enquanto não se veem avanços em sua elucidação, o homicídio se converte em demonstraç­ão de força de seus autores, tenham sido eles policiais corruptos, milicianos, traficante­s ou qualquer outro tipo de facínora.

Ao mesmo tempo, acentua-se a sensação de que os movimentos do governo Michel Temer (MDB) carecem de planejamen­to e coordenaçã­o. Exemplo mais recente é o desencontr­o de cifras e expectativ­as em torno das verbas a serem destinadas às operações no Rio.

Falou-se em pleito de R$ 3,1 bilhões e repasse de R$ 800 milhões, depois elevado a R$ 1 bilhão ou um pouco mais, sem que haja clareza quanto à fonte do dinheiro.

Como apontou levantamen­to desta Folha, as despesas do estado em segurança caíram de R$ 9,4 bilhões, em 2015 (valores corrigidos), para R$ 8,6 bilhões em 2017.

Para obter impacto mais imediato, portanto, o Planalto precisaria de mais recursos do que os que parecem assegurado­s. A dúvida é como contornar as restrições orçamentár­ias da União, à qual também cabe atender a estados mais carentes e violentos que o Rio.

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