Folha de S.Paulo

Quinze anos de um erro

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O distanciam­ento temporal permite que determinad­os eventos históricos ganhem interpreta­ção diversa daquela moldada sob o calor dos acontecime­ntos; em outros casos, no entanto, apenas se cristaliza a percepção inicial.

Passados 15 anos, que se completara­m nesta terça (20), a invasão do Iraque pelos Estados Unidos pertence ao segundo grupo, pois continua a se provar um equívoco —já fadado a tal em sua origem.

Quando o então presidente George W. Bush anunciou que pretendia “desarmar o Iraque, libertar seu povo e defender o mundo de um grave perigo”, assimilava­se ainda o 11 de Setembro de 2001. Era preciso reagir a tudo o que aparentava ameaçar os EUA, e o ditador iraquiano Saddam Hussein tornou-se o alvo a ser derrubado.

Sem aval da ONU e amparado por apenas um aliado de peso, o Reino Unido, Bush precisou de pouco mais de um mês para apeálo do poder. Sobreveio uma ocupação militar que durou até 2011, acompanhad­a de decisões que levariam o país árabe a um caos cujos efeitos até hoje subsistem.

Com efeito, a medida mais mal planejada revelou-se o banimento do partido Baath, base de sustentaçã­o do regime. No afã de extirpar qualquer vestígio de influência do ditador, os americanos aca- baram por dividir politicame­nte os iraquianos entre sunitas —vertente do islamismo ao qual pertencia Saddam— e xiitas.

Estes, então, viram-se ungidos como os guardiães de um novo Iraque democrátic­o. A eles foi dado o comando, incitando um sentimento sectário que antes não se manifestav­a. Sunitas passaram a realizar ataques contra a população xiita e o invasor estrangeir­o.

Há amplo consenso entre analistas e líderes internacio­nais de que diversas organizaçõ­es terrorista­s florescera­m nesse terreno.

Do marginaliz­ado sunismo iraquiano emergiu, por exemplo, o fundador do Estado Islâmico — milícia que por três anos controlou a segunda maior cidade do país e persiste como uma ameaça ao Ocidente por causa de atentados cometidos sob sua inspiração.

Convém rememorar, ainda, que os argumentos da Casa Branca para justificar a ação militar mostraram-se falsos. Primeiro, as supostas armas de destruição em massa nas mãos de Saddam nunca apareceram. E o próprio governo americano refutaria, depois, um alegado elo entre o ditador e a Al Qaeda.

Por fim, até se pode dizer que o Iraque saiu da tirania para uma frágil democracia. Os demais objetivos de Bush, contudo, estavam mesmo destinados ao fracasso.

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