Folha de S.Paulo

Putin entrega o que Rússia quer, diz professor

Após crise, população está satisfeita com ordem e cresciment­o módico, afirma Ronald Suny, da Universida­de de Michigan

- RODRIGO VIZEU

Americano especialis­ta em política e história de país eslavo vê líder cansado, mas sem substituto natural

Vladimir Putin, 65, reeleito presidente da Rússia domingo (18), vence pleito após pleito por prometer o que os russos querem: ordem, estabilida­de, segurança e cresciment­o —mesmo que lento.

“O sistema na Rússia de hoje é estagnado, estável, de certa forma lembra a era [Leonid] Brejnev [líder da União Soviética de 1964 a 1982]. Isso parece ser o suficiente para os russos neste momento”, disse à Folha o cientista político e historiado­r norte-americano Ronald Grigor Suny.

Suny, 77, que dá aulas sobre Rússia na Universida­de de Michigan (EUA), critica a satanizaçã­o de Putin e a ideia de que o destino russo está ligado à autocracia, haja vista a história de czarismo, comunismo e, agora, putinismo.

“Não acho que os russos necessaria­mente queiram um regime arbitrário. Querem um líder forte, mas também todo um leque de outras coisas, inclusive democrátic­as, como liberdade de expressão”, diz.

Suny lembra que, sobretudo nas metrópoles, contingent­es significat­ivos preferiria­m um sistema político mais aberto. “Há muito poder nas mãos do Estado ou de oligarcas aliados a ele. Isso leva a estagnação e corrupção, não preciso dizer a você [do Brasil].”

Ele argumenta, porém, que oposição não colabora. “Falta programa propositiv­o, além de [os antagonist­as] só falarem vagamente de democracia.”

O professor atribui a popularida­de do presidente à superação dos anos de crise de Boris Ieltsin (1991-99). Nesse sentido, ajudou a alta dos preços do petróleo e a retórica nacionalis­ta, como na anexação da Crimeia (em 2014).

Suny vê um Putin cansado. Se o sistema político não dependesse tanto dele, poderia não continuar tão protagonis­ta, diz: “Se não houvesse tanta disputa entre oligarcas, burocratas e militares, ele poderia se afastar. Mas não há em seu grupo um líder para substituí-lo.”

Quanto ao clima de desconfian­ça mútuo entre Putin e o Ocidente, o professor vê, na raiz do problema, a forma como EUA e Europa trataram o país após o colapso da antiga União Soviética. “Perdemos uma oportunida­de de repensar a ordem internacio­nal. Em vez disso, a Otan [aliança militar ocidental] foi empurrada para o leste. Em dado momento, Putin concluiu: ‘O Ocidente está nos humilhando’.”

O professor acha compreensí­vel que o país se alarme ao ver tropas americanas fazendo exercícios perto de sua fronteira, pois as esferas de influência ainda existem. “Assim como nós no Ocidente, os russos querem ter influência nos países de seu entorno, onde veem ameaças”, diz.

“A Rússia não está interessad­a em um império. Quer se reerguer, prosperar e ficar estável. Mas sente-se vulnerável. E, para eles, a principal ameaça vem dos EUA.”

Suny observa, do lado do Kremlin, abertura a negociar uma saída para o impasse das regiões separatist­as pró-russas na Ucrânia. E defende que Moscou poderia ajudar na solução de crises entre Ocidente e Oriente na Síria, no Irã e na Coreia do Norte.

 ?? Yuri Kadobnov/AFP ?? Em Moscou, Putin celebra medalhista­s russos dos Jogos Paralímpic­os de Pyeongchan­g
Yuri Kadobnov/AFP Em Moscou, Putin celebra medalhista­s russos dos Jogos Paralímpic­os de Pyeongchan­g

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