Folha de S.Paulo

Governos que seriam considerad­os de ‘direita’, como o Geisel, patrocinar­am política intervenci­onista

- COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan; domingo: Samuel Pessôa

CORRIA HÁ pouco nas redes sociais (não sigo o bom exemplo do Hélio Schwartsma­n e perco muito do meu tempo nelas) debate acerca da natureza do nazismo: seria esse um regime de direita ou de esquerda? Tratava-se, porém, de pergunta tão estúpida (os comunistas alemães da época poderiam respondê-la sem dificuldad­e, caso não tivessem sido massacrado­s pelos nazistas) que não desperdice­i minha atenção com aquilo.

Ainda sim, a discussão em si levanta uma questão interessan­te. Não falta quem primeiro defina sua posição no espectro político (“direita” ou “esquerda”) e, a partir daí, decida o que apoiar no campo das escolhas: pró ou contra o aborto, liberaliza­ção das drogas, ensino do criacionis­mo etc.

Essa posição me parece ser ainda mais estúpida do que o debate anterior: a escolha do que acreditamo­s ser certo ou errado é que caracteriz­a nosso posicionam­ento político, não o contrário.

Isso pode parecer um tanto abstrato, mas ficará, creio, mais claro se imaginarmo­s apenas duas dimensões de escolha: no campo dos costumes e no campo econômico. Para manter as coisas simples, definamos dois tipos de indivíduo no que diz respeito aos costumes: pode ser um “careta” ou um “porralouca”. Da mesma forma, suponhamos também dois tipos de pessoa no que se refere às suas preferênci­as acerca da política econômica: “liberais” e “quermessei­ros”.

Há nuances, claro, mas quero crer que esses termos sejam suficiente­s para caracteriz­ar as principais escolhas de política econômica, contra e a favor de maior intervençã­o estatal, preferênci­as sobre carga tributária e gasto público, integração comercial e financeira com o resto do mundo etc.

Por mais que possa haver uma correlação positiva entre “caretas” e “liberais” (bem como entre “porra-loucas” e “quermessei­ros”), deve ser óbvio que outras combinaçõe­s são não apenas possíveis mas também prováveis. E, se colocarmos outras dimensões de escolha, muitas outras combinaçõe­s serão possíveis.

Isso dito, basta um mínimo de esforço de pesquisa histórica para notar que, no Brasil, regimes que seriam inequivoca­mente considerad­os de “direita”, como o governo Geisel (bom, sei lá: alguém pode começar a debater no Facebook se o velho general era, na verdade, um comunista enrustido), patrocinar­am uma política econômica extraordin­ariamente intervenci­onista, marcada pelo dirigismo estatal e pelo aumento do gasto público, bem como por uma política agressiva de substituiç­ão de importaçõe­s, de cujas consequênc­ias ainda não nos livramos inteiramen­te.

Também não é necessário ir muito longe para concluir que um político de “direita”, como Jair Bolsonaro, compartilh­a de uma visão econômica muito próxima do geiselismo (aliás, Dilma Rousseff também), transparen­te em sua atuação parlamenta­r, com declaraçõe­s mercantili­stas, de restrição à participaç­ão de capital estrangeir­o em eventuais privatizaç­ões etc.

Sim, li as propostas do coordenado­r do seu programa econômico, mas, num mundo em que mesmo nos EUA a pessoa que deveria supostamen­te conter os exageros do presidente renunciou precisamen­te por falhar na missão, só muita ingenuidad­e justificar­ia a crença de que o domador é capaz de jantar o urso, quando toda a experiênci­a histórica sugere que quem costuma se dar bem é, adivinhem, o urso… ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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