Folha de S.Paulo

Rapidament­e conseguimo­s equacionar uma seca que foi a maior dos últimos cem anos

- FABRÍCIO LOBEL NATÁLIA CANCIAN

DE BRASÍLIA

Há pouco mais de um ano, quando já planejava sua candidatur­a à Presidênci­a da República, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) esteve em Pernambuco para vistoriar o uso de bombas hidráulica­s em um trecho da transposiç­ão do rio São Francisco. Sem nenhum custo, elas haviam sido emprestada­s pelo tucano a estados do Nordeste.

Os equipament­os são os mesmos empregados emergencia­lmente pelo governo paulista, em 2014 e 2015, para captar água do fundo de represas quando a Grande São Paulo vivia grave seca e risco de desabastec­imento.

Mais do que uma ajuda de São Paulo, emprestar ao Nordeste equipament­os que estavam encostados serviu para que Alckmin aumentasse sua presença em uma região na qual engatinha em popularida­de. E foi com esse gancho que o governador passou a usar a superação da crise hídrica paulista como uma plataforma política nacional.

O discurso oficial do tucano em redes sociais, entrevista­s e propaganda­s pagas pelo governo, porém, infla dados e omite todo o lado nebuloso da crise hídrica de São Paulo.

Por exemplo, a falta de transparên­cia na adoção do racionamen­to, a tentativa de negar a gravidade da crise e a decisão de segurar medidas impopulare­s para contenção do consumo de água somente para depois das eleições.

No auge da seca, a gestão de Alckmin foi alvo de fortes críticas. ANA (Agência Nacional de Águas, órgão federal) e TCE (Tribunal de Contas do Estado) apontaram falta de planejamen­to mesmo diante dos indícios de que uma forte seca atingiria São Paulo.

Esses alertas, dizem, poderiam ter suscitado ações mais eficientes. São Paulo não entrou em um sistema drástico de rodízio somente porque uma sequência inesperada de chuva atingiu a Grande SP em fevereiro de 2015. Na ocasião, obras emergencia­is ainda estavam no meio do caminho. LENTIDÃO A demora para tomar iniciativa­s de enfrentame­nto à escassez de água foi alvo de críticas de especialis­tas. Um deles era Jerson Kelman, atual presidente da Sabesp.

Antes de ser escolhido para o cargo, ele havia criticado a demora do governo estadual em adotar medidas antipopula­res. Na época, criticava a não adoção de uma tarifa mais cara para consumidor­es que aumentasse­m o consumo.

Não está no discurso eleitoral tucano, mas Alckmin segurou o aumento da tarifa para os “gastões” no ano eleitoral de 2014 e somente autorizou a medida após conquistar a reeleição no primeiro turno.

Antes do pleito, porém, congelou o aumento anual da tarifa de água, enquanto minimizava os efeitos da seca.

Em um debate na TV, afirmou que não faltava água em São Paulo, quando os relatos de torneiras secas eram crescentes e bairros da periferia já sofriam com um forte racionamen­to de água sempre negado no discurso oficial.

Baldes e garrafas plásticas cheias de água passaram a fazer parte do cenário doméstico paulistano. Famílias acordavam de madrugada ou no início da manhã, durante o único período em que as torneiras funcionava­m, para reservar a água para todo o dia.

No auge da crise, famílias relatavam de 15 a 20 horas de torneiras secas diariament­e.

Em respostas a essas críticas,

GERALDO ALCKMIN

governador de São Paulo a gestão Alckmin sempre disse que as medidas de controle do consumo de água foram tomadas de acordo com a gravidade. Ela nega falta de transparên­cia ou de planejamen­to (leia ao lado). FÓRUM Nesta terça (20), Alckmin aproveitou uma visita ao 8º Fórum Mundial da Água, realizado em Brasília, para exaltar as ações de seu governo contra a crise hídrica e defender o fim de impostos federais sobre o saneamento.

Recebido pelo seu secretário de Recursos Hídricos e presidente do Conselho Mundial da Água, Benedito Braga, o tucano disse que São Paulo “é um exemplo no sentido de enfrentame­nto da crise” e exaltou o empréstimo de bombas ao Nordeste.

“A Sabesp é uma empresa extremamen­te aberta, a população teve uma resposta maravilhos­a e rapidament­e conseguimo­s equacionar uma seca que foi a maior dos últimos cem anos”, afirmou.

Em andanças como candidato, por um lado, o tucano insiste que um dos maiores problemas do país, em especial no Nordeste, é a falta de água e de saneamento. Por outro lado, mostra São Paulo como exemplo a ser seguido.

Os vídeos sobre o tema em sua página pessoal em rede social trazem, além de um texto institucio­nal, o slogan Preparado para o Brasil.

Durante a vistoria às bombas no semiárido pernambuca­no, o governador gravou um vídeo no qual afirmou: “Ajudar o Brasil é o nosso dever”. Meses depois, ao renovar o empréstimo, Alckmin disse em nova postagem que ficava feliz em ser solidário com os irmãos nordestino­s.

Em entrevista recente à rádio Jovem Pan, Alckmin falou como futuro candidato, citou o problema da seca no Nordeste e inflou dados ao dizer que todas as cidades do interior paulista estão com 100% de atendiment­o de água, coleta e tratamento de esgoto.

O número certo, na verdade, é que somente 7 dos 365 municípios onde a Sabesp atua estão na situação descrita pelo tucano.

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Nilton Cardin/Folhapress Falta de transparên­cia, tentativa de negar crise e decisão de segurar medidas impopulare­s foram alvo de críticas Represa do sistema Cantareira, no interior de SP, que enfrentou forte seca em 2014 e 2015, levando ao uso do volume morto

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