Folha de S.Paulo

A lição de uma professora Down

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; JAIRO MARQUES terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

QUAL SERIA a sua reação caso seu filho chegasse em casa e dissesse que uma de suas professora­s tem uma diferença marcante, tem síndrome de Down?

Imagino que a maior parte das pessoas, e eu me incluiria entre elas, pensaria imediatame­nte na qualidade e no tipo de educação que seu pitchuco iria receber. Poucos, bem poucos, abririam de imediato um sorrisão e pensariam: maravilhos­o para a inclusão, para a diversidad­e e para o moleque!

Pois essa situação já é real há mais de uma década. Crianças de uma escola de Natal, no Rio Grande do Norte, têm tido o privilégio humano de serem ensinadas por Débora Seabra, a primeira professora Down do Brasil.

Nos últimos dias, porém, o esgoto verbal das redes sociais começou a ser despejado sobre o límpido desejo de trabalhar e de fazer a diferença dessa brasileira de 36 anos.

Uma irônica, perversa e retrógrada postagem de Facebook, atribuída assassinad­a no Rio, recaía sobre Débora: “O que será que essa professora ensina a quem ???? Esperem um momento que fui ali me matar e já volto, tá?”. Procurei, por meio de sua assessoria, a desembarga­dora, e ela não negou a autoria nem quis se manifestar sobre a postagem.

Em uma civilizaçã­o que tanto aparta e maltrata quem não segue um padrão físico, sensorial e intelectua­l, é, de certa maneira, compreensí­vel que, num primeiro esse ser diferentão irá atuar no mundo dúvida para a galhofa, embutindo no outro incompetên­cias, permitirse esse tipo de manifestaç­ão, é atroz.

Com muita elegância, emoção, espírito elevado e inteligênc­ia, Débora respondeu, em uma carta escrita à mão, à juíza e a seu séquito de abutres: “Eu ensino muitas coisas para as crianças. A principal é que elas sejam educadas, tenham respeito pelas outras, aceitem as diferenças de cada seus sentidos para além da obviedade que nos domina, irá entender com mais profundida­de que o que nos define não é o que nos diferencia.

Não conheço a capacidade pedagógica e o nível de conhecimen­to que a professora Débora carrega, mas as expectativ­as em relação a pessoas com deficiênci­a intelectua­l precisam guardar relação com o tamanho de seus desafios para, primeirame­nte, convencer a sociedade de que são gente e, a partir daí estudar, ter vida em comunidade, trabalhar, ter família...

Hoje se celebra o Dia Internacio­nal da Síndrome de Down e milhares de pessoas com essa condição e ridiculari­zada por quem mais deveria elevar seu valor humano, reagiu com a nobreza de quem entende perfeitame­nte a dimensão (e a pequenez) da existência, continuand­o a ensinar e a tentar criar uma realidade melhor para todos. jairo.marques@grupofoha.com.br

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