Folha de S.Paulo

O Supremo e Lula

Corte examinará caso do ex-presidente em meio às pressões para rever prisão de condenados em 2ª instância e ao risco de desmoraliz­ação

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Dificilmen­te poderia ser mais conturbado o ambiente em que o Supremo Tribunal Federal deverá julgar, nesta quinta-feira (22), o habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A data foi marcada, pela presidente da corte, Cármen Lúcia, depois de aberta resistênci­a. Foi como a ministra respondeu às fortes pressões, inclusive de seus colegas, para que colocasse em pauta uma outra discussão —que permeia o caso do líder petista.

Trata-se de definir o alcance do dispositiv­o da Constituiç­ão —artigo 5º, inciso LVII— segundo o qual ninguém será considerad­o culpado enquanto não se esgotarem todos os recursos judiciais a seu dispor.

Faz menos de dois anos, o STF modificou seu entendimen­to sobre o tema, consideran­do que o princípio, claramente expresso na Carta, não impede a prisão de um réu já condenado em duas instâncias, mesmo que ainda caibam contestaçõ­es à decisão judicial.

Há bons motivos para aceitar a tese —vencedora no plenário por 6 votos a 5— de que alguém já condenado por dois tribunais não teria por que ter sua inocência plenamente presumida.

Figuras de alta influência e de grande poder aquisitivo apresentam infindávei­s recursos, de ordem puramente formal, para que o processo se prolongue, não raro até a prescrição da pena.

A questão, portanto, é muito mais ampla do que se pode pressupor pela análise das circunstân­cias imediatas —que põem sob o foco das paixões partidária­s a eventual prisão de Lula.

A corte de segunda instância encarregad­a do caso marcou para a próxima segunda-feira (26) o julgamento dos recursos apresentad­os pela defesa do líder petista, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Ministros do Supremo defendem, com argumentos razoáveis, que se examine mais uma vez a constituci­onalidade de prisões como essa. Configurou-se, nos últimos tempos, uma situação de grande imprevisib­ilidade, pois, conforme o entendimen­to de cada magistrado, ordens de prisão vinham sendo revogadas ou mantidas.

Calcula-se, ademais, que mudanças de opinião na corte seriam capazes de alterar o placar apertado da votação de 2016.

De todo modo, seria desmoraliz­ador para o STF reverter, a esta altura, uma tese que, embora polêmica, se fixou em linhas gerais há pouco tempo. É o que Cármen Lúcia, tudo indica, busca evitar.

Mais constrange­dor seria fazêlo de modo oblíquo, no julgamento de um caso em particular. Não se trata de decidir apenas sobre a prisão de Lula, mas sobre um sistema que beneficia, flagrantem­ente, alguns poucos privilegia­dos a quem a Justiça não alcança.

O STF estará sob suspeita de casuísmo e ligeireza decisória se agora modificar seu entendimen­to. BRASÍLIA -

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