Folha de S.Paulo

Execução

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Elio Gaspari descreveu bem o problema: ora Michel Temer responde à execução de Marielle Franco e Anderson Gomes demarcando a autoridade do governo federal, ora as máfias enquistada­s nos órgãos de segurança impõem sua lei à toda a sociedade brasileira.

A julgar pelos sinais de Brasília nos últimos dias, o crime organizado continuará ganhando. Nada indica que a chefia esteja disposta a forçar uma inflexão para valer.

Isso ocorre porque o sistema político brasileiro é desenhado para facilitar a vida de grupos de interesse. Quando legais, tais grupos operam à luz do dia, como é o caso de empreiteir­os, banqueiros, sindicalis­tas, associaçõe­s de juízes ou de classe. Quando ilegais, como é o caso das máfias que operam na segurança pública, na sombra. Quem perde é sempre a maioria dos cidadãos.

É por isso que a execução da semana passada demandará a mobilizaçã­o de redes transnacio­nais. Sempre que a classe política falha em dar repostas satisfatór­ias a problemas nacionais, essas redes viram instrument­o potente nas mãos de quem trava batalha contra os sanguessug­as que mantêm o Brasil enquistado no atraso.

Há mil exemplos. Os abolicioni­stas contaram com o apoio decisivo da esquadra inglesa e do Parlamento britânico. Geisel e Figueiredo instrument­alizaram a pressão americana para abrir o regime contra a vontade da tigrada.

A pressão estrangeir­a ajudou aqueles grupos do governo brasileiro que queriam calar a boca de quem sonhava com a bomba atômica, assim como deu força a quem amarrou as mãos do pessoal da motosserra que ganhava dinheiro queimando floresta.

A Corte Interameri­cana criou condições legais para que a sociedade civil emplacasse a Lei Maria da Penha.

Em todos esses casos, a sociedade civil precisou vincular-se a redes transnacio­nais de ativistas para conseguir emplacar mudanças internas.

Hoje, não há pressão internacio­nal capaz de, por si só, acabar com as máfias que capturaram os órgãos de segurança pública. No entanto, há, sim, normas e instrument­os internacio­nais capazes de fortalecer aqueles indivíduos, grupos e organizaçõ­es da sociedade civil comprometi­dos em fazer dos crimes da semana passada uma bandeira da luta contra a barbárie que vivemos.

A Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos acaba de publicar a resolução atualizada sobre corrupção e direitos humanos. A OCDE oferece instrument­os práticos para profission­alizar as forças policiais.

Governos estrangeir­os acumularam experiênci­a ao quebrar as pernas do narcotráfi­co por meio de políticas seletivas de descrimina­lização. O governo argentino quer cooperação na fronteira para reduzir o poder de fogo da máfia enquistada na polícia de Buenos Aires.

Há espaço no mundo para atuar.

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