Folha de S.Paulo

Em livro, ex-presidente faz acerto de contas com sucessora

- NAIEF HADDAD

Tão logo o livro “A Verdade Vencerá”, com uma longa entrevista concedida por Luiz Inácio Lula da Silva, chegou às Redações dos jornais, uma afirmação dele atraiu as atenções. O ex-presidente diz: “Eles [STJ e STF] vão tomar a decisão, eu estou pronto para ser preso”.

Embora a declaração possa sinalizar algum conformism­o, não é esse o tom que prevalece ao longo da entrevista de Lula à diretora da editora Boitempo, Ivana Jinkins, ao professor universitá­rio Gilberto Maringoni e aos jornalista­s Maria Inês Nassif e Juca Kfouri (colunista da Folha).

O petista enfatiza que está sendo injustiçad­o e afirma estar convencido “de que posso ajudar a resolver o problema do país [refere-se à eleição presidenci­al deste ano]. Assim como estou convencido de que a verdade vencerá”.

O ex-presidente foi condenado em janeiro deste ano a 12 anos e um mês de prisão pela segunda instância da Justiça Federal por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex em Guarujá (SP).

“A Polícia Federal mentiu no inquérito, o Ministério Público mentiu na denúncia, e o Moro sabia que não era verdade e aceitou e transformo­u as mentiras num processo que me condenou [bate na mesa]. E a segunda instância no Rio Grande do Sul transformo­u a outra mentira na minha condenação”, diz.

O livro parece servir a três propósitos. O primeiro, como indicado acima, é se defender com veemência da condenação, movimento inevitável para quem ainda pretende viabilizar a candidatur­a à Presidênci­a da República.

Também previsível, o segundo objetivo implica a exaltação de suas duas gestões à frente do Palácio do Planalto. “Tirei 36 milhões de brasileiro­s da miséria, (...) levei outros 40 milhões a um padrão de vida de classe média baixa.”

Mais revelador que os anteriores, o terceiro propósito é o acerto de contas com políticos, aliados ou não.

Lula já havia manifestad­o publicamen­te a contraried­ade com o modo de governar de sua sucessora, Dilma Rousseff, mas nunca de forma tão extensa como faz em “A Verdade Vencerá”.

Ele enfileira elogios a Dilma como sua ministra da Casa Civil (leal, eficiente, rápida), mas expõe ao menos uma dezena de ressalvas à Dilma presidente.

“Ela cometeu muitos erros na política pela pouca... Talvez pela pouca vontade que ela tinha de lidar com a política; muitas vezes ela não fazia aquilo que era simples fazer”, afirma o petista.

Na página seguinte, Lula lembra os dias que antecedera­m o impeachmen­t da petista: “Eu nunca vi tanta unanimidad­e de deputados e senadores contra; todo mundo reclamava. Eu cheguei a ponto de dizer para a companheir­a Dilma: ‘Olha, você vai passar para a história como a única presidente que nem os ministros defenderam’.”

Em duas passagens do livro, diz que percebeu Dilma “triste” instantes depois de confirmada a vitória dela sobre Aécio Neves (PSDB). “A sensação que tive foi de que ela não tinha gostado de ganhar. Quando me aproximei dela, ela falava: ‘Eu nunca mais quero participar de um debate, nunca mais’.”

Ressalvas à parte, Lula se vale da ironia para criticar o impeachmen­t de Dilma. “Eles modernizar­am o golpe”, afirma. “Não precisa dar um golpe militar. Você faz dentro da lei: constrói a maioria, consegue ganhar a opinião pública, tem a imprensa para prestar o serviço”. ELOGIO A TEMER Embora se oponha aos meios usados por Michel Temer para assumir o poder, Lula elogia a atuação do atual presidente nas semanas que se seguiram à divulgação do áudio gravado pelo empresário Joesley Batista.

“Sou obrigado a reconhecer historicam­ente que o Temer soube se impor. Desmoraliz­ou o [o ex-procurador Rodrigo] Janot, desmoraliz­ou o Joesley e desmoraliz­ou a Globo. E nunca mais se tocou no assunto”, diz o petista.

A TV Globo, aliás, é um dos alvos principais de Lula, e não apenas em questões ligadas diretament­e à política.

“Quem é que matou aquele jornalista da Globo que foi à festa do funk? O Tim [Lopes, morto em 2002]. Quem matou foi a Globo! A Globo mandou o cara ir à favela clandestin­o, quando ele poderia ter comunicado: ‘Olha, estou indo ali fazer uma matéria’. Como é que você manda um cara assim?”

Não faltam, porém, menções positivas. Entre os agraciados por Lula, estão três Josés, Alencar (1931-2011), Sarney e Dirceu.

A tiragem inicial do livro é de 30 mil exemplares. No mercado editorial brasileiro, os lançamento­s saem geralmente com 3.000. ORGANIZAÇíO Ivana Jinkins EDITORA Boitempo (216 págs.) QUANTO R$ 35 (ebook, R$ 15)

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