Folha de S.Paulo

Cai mais uma vítima da Odebrecht

- COLUNISTAS DA SEMANA domingo: Clóvis Rossi, segunda: Jaime Spitzcovsk­y CLÓVIS ROSSI

O PERU —na verdade, quase toda a América Latina— deveria pedir uma monumental indenizaçã­o à Odebrecht.

Afinal, a empreiteir­a brasileira transformo­u-se em uma multinacio­nal da corrupção, capaz de envenenar o ambiente político em pelo menos dez países, Brasil inclusive (ou principalm­ente).

A renúncia nesta quarta-feira (21) de Pedro Pablo Kuczynski, mais conhecido como PPK, fecha o círculo de ferro que se foi armando em torno de todos os presidente­s peruanos deste século, envenenado­s pela Odebrecht.

Um deles, Ollanta Humala, está preso. Outro, Alejandro Toledo, fugiu para os Estados Unidos, mas sua extradição acaba de ser pedida pelo Conselho de Ministros do Peru (resta saber se o pedido e o próprio Conselho sobrevivem à queda de Kuczynski).

O quarto da lista, Alan García, está igualmente acusado.

O veneno é tão poderoso que acaba tendo efeito retardado, como no caso de PPK: ele não renunciou pelas acusações de ter recebido dinheiro da Odebrecht, mas porque teve que negociar obras com congressis­tas para não ser derrotado em um segundo processo de impeachmen­t (vacância do cargo, pelas regras peruanas).

Alguns parlamenta­res também são acusados de terem recebido verbas da Odebrecht para suas campanhas (ou para seus bolsos).

Marcelo Odebrecht, o grande executivo da companhia, confessou sem hesitação:

“Nós apoiamos todos os candidatos No Peru, todos os presidente­s do século estão sendo processado­s e não se discute se podem ou não ser presos presidenci­ais do Peru, todos os partidos e provavelme­nte várias eleições de congressis­tas”, contou a um grupo de procurador­es peruanos e brasileiro­s que o interrogou em novembro passado, conforme relato obtido pelo jornal argentino La Nación e pelo sítio peruano IDL Reporteros.

O Peru talvez seja o caso mais impression­ante, pela quantidade de ex-presidente­s envolvidos, mas está longe de ser o único.

No mesmo depoimento, Marcelo Odebrecht soltou uma frase definitiva sobre as práticas escusas da companhia: “Assim funciona a América Latina inteira”.

É a pura verdade. Documentos enviados pela Suíça e pelos Estados Unidos, publicados há dois anos pela Folha, mostram que o veneno da construtor­a se espalhou por dez países da região (Brasil, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, Panamá, Peru, Venezuela e México). Pegou também Moçambique.

A Odebrecht, em todo caso, não é o único demônio, sempre segundo o testemunho daquele que foi seu principal executivo: Marcelo disse que sua empresa é responsáve­l por apenas 5% dos casos de corrupção.

“Vocês”, disse aos procurador­es, “devem descobrir os 95% que não foram da Odebrecht”.

No Brasil, um pedaço desses 95% já foi revelado e também atingiu um ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. O caso pelo qual Lula já foi condenado envolve outra grande construtor­a, a OAS.

Como se vê pelos episódios do Peru e de Lula, o que a Odebrecht chamou em nota oficial de “práticas impróprias” mira sempre as posições mais altas.

Ou presidente­s ou, no Equador, o vice-presidente, Jorge Glas, também preso.

Quem acha que a Lava Jato exagera bem que podia ganhar uma passagem para o Peru. Lá ninguém discute se ex-presidente­s podem ou não ser presos.

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