Folha de S.Paulo

Marielle gigante

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan;

PERMANECE SEM resposta a pergunta que não vai calar: quem executou Marielle Franco e Anderson Gomes na quarta passada (14), sem nem mesmo fingir que se tratava de um crime comum? Mas, passada uma semana de sua morte, já está claro que a vereadora continuará presente. Tal como descreveu a reportagem de capa do jornal The Washington Post de terça-feira (20), Marielle tornou-se “símbolo global”.

Diante do tamanho que ganhou Marielle nas ruas e nas redes —tamanho esse que é proporcion­al à amplitude e importânci­a do que ela representa­va e das causas que ela encampava em vida—, não surpreende que haja uma tentativa das atuais estruturas de poder de esvaziar sua morte de sentido político.

Como destacou o jornalista ganhador do Prêmio Pulitzer Glenn Greenwald em artigo sobre os 45 minutos dedicados ao assassinat­o da vereadora do PSOL pelo “Fantástico”, da Globo, no domingo (18), no único trecho em que a cobertura tratou da vida política de Marielle, sua luta pelos

“Não há maneira de compreende­r a vida e o assassinat­o de Marielle sem uma sincera e clara discussão de sua vida política. O que faz de seu caso tão jornalisti­camente relevante é sua política”, escreveu o jornalista americano. Em outro trecho do texto, Greenwald chegou a comparar a despolitiz­ação da morte de Marielle à feita com Martin Luther King nos EUA.

Embora denunciass­e “os males do capitalism­o” e o “imperialis­mo americano” e conclamass­e “populações oprimidas ao levante”, King “é tratado como símbolo de concepções vagas e elementare­s sobre rejeitaria­m”. “Ele foi reduzido ao menor denominado­r comum, e as partes verdadeira­mente subversiva­s de sua visão de mundo foram deliberada­mente apagadas da história”, alerta o jornalista.

A dor e a revolta com o assassinat­o de Marielle estão sendo compartilh­adas por todos os que não se encontram do lado da barbárie, e assim deve ser. Tanto melhor que a grande mídia tenha dado grande atenção e que continue cobrando a revelação dos culpados pelo atentado. Mas as hashtags “Marielle Presente” e “Marielle Vive” evocam a memória de Marielle Franco. E essa memória é também a memória de suas ideias, que não podem ser drenadas de sua imagem. LGBT e das mulheres. Lutava contra a brutalidad­e das polícias e sua militariza­ção. Lutava contra os mecanismos de reprodução das desigualda­des sociais.

Em uma das diversas vezes em que estivemos juntas, dividimos uma mesa do eixo de “Economia” da plataforma “Vamos” na Cinelândia, em setembro de 2017. Marielle presidia a Frente Parlamenta­r em Defesa da Economia Solidária, que se define como uma iniciativa para promover “uma economia em que se respeita a escala humana no processo produtivo e o ambiente”, que “quer o sustento, não o lucro”.

Em sua fala na Cinelândia, Marielle defendeu a construção de um programa econômico voltado para os mais vulnerávei­s. “Se as mulheres negras estão na base da pirâmide, é a partir dessa base da pirâmide (...) que a gente vai mexer com a construção do Orçamento”. “Todas as pesquisas apontam que as mulheres terceiriza­do, então é sobre nós que recaem as reformas”, alertou.

A vereadora combateu também o que chamou de “naturaliza­ção” das isenções para grandes empresas e dos privilégio­s do 1% mais rico da população.

Vã será toda tentativa de diminuir o tamanho de sua ousadia. Marielle, presente. LAURA CARVALHO,

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