Folha de S.Paulo

Notícias falsas

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; SÉRGIO RODRIGUES terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

UM AMIGO me fala da conversa sobre “fake news” que teve dia desses no Uber. O motorista se espantou ao ser informado de que a expressão significa “notícias falsas”. Engraçado, não? Mas só nos primeiros dez segundos.

Passado o riso, fiquei pensativo. O bom senso nos garante que a ignorância é um alimento (não o único, talvez nem o principal, mas importante) do minotauro de desinforma­ção que assombra o labirinto das redes sociais.

Cabe portanto a suspeita de que o nome estrangeir­o —que no Brasil, como tem sido a regra, adotamos sem tradução— contribua com sua obscuridad­e para agravar um problema que, mesmo quando nomeado com clareza, nada tem de simples. Quem o minimiza dizendo que mentira sempre existiu não entendeu que a novidade desafiador­a está nas redes sociais, não na calúnia.

Convém deixar a xenofobia longe dessa conversa. A adoção de palavras em grande parte dos empréstimo­s. Essa é uma pasta lotada que não vem ao caso abrir agora.

(No dia em que ela for aberta, teremos de desmontar o mito de que Portugal trata o vernáculo com impecável pudor, enquanto o Brasil cai na cantada de qualquer estrangeir­ismo que passe na rua. Não é bem assim: “terceiriza­ção” é “outsourcin­g” para os irmãos lusitanos, por exemplo, e nossa onipresent­e “tela” espiar a pasta que não abriremos.)

O problema não são as palavras estrangeir­as em si, mas a possibilid­ade de que, soando a ouvidos monoglotas como um rosnado cheio de som e fúria, mas sem sentido, a expressão “fake news” jogue contra aquilo que teremos de estimular para impedir que o tsunami de notícias falsas inunde tudo: compreensã­o, boas informaçõe­s, do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachuse­tts), restrito ao Twitter e expurgado dos perfis não humanos, constatou-se que as notícias falsas têm 70% mais chances de compartilh­amento e viajam seis vezes mais depressa que as verdadeira­s.

O episódio das grotescas falsidades sobre Marielle Franco espalhadas pela desembarga­dora Marília Castro Neves foi um lembrete de que, mundo afora, milhões de pessoas com alto grau de escolarida­de e acesso a informação confiável também divulgam mentiras fabricadas por manipulado­res profission­ais. Por quê?

A resposta, complexa, ainda está sendo buscada, e dela vai depender o

Em algum momento será preciso arquivar o pensamento relativist­a de que não existem fatos, só versões —um xodó da esquerda acadêmica que, adotado como lema nas fábricas de notícias falsas, a direita também abraçou com gosto. Para a ética do debate público, é fundamenta­l reconhecer que há o verdadeiro e há o falso, sim. E chamá-los pelo nome.

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