Folha de S.Paulo

Anvisa quer apertar mais o cerco contra gordura trans

Agência abriu processo para aumentar restrição à substância ou até bani-la

- NATÁLIA CANCIAN

Indústria já vem reduzindo gordura em acordo com Ministério da Saúde e diz que, sem ela, preço pode subir

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) abriu um processo para aumentar a restrição ao uso de gordura trans em alimentos industrial­izados e avalia até proibi-la.

A ideia é estudar modelos para reduzir a presença desse tipo de gordura, usada para aumentar o prazo de validade e garantir textura e crocância aos produtos.

O tema da iniciativa, cuja discussão foi aprovada formalment­e pela agência neste mês, já era debatido por entidades de saúde e, desde 2004, pela OMS (Organizaçã­o Mundial de Saúde).

Estudos apontam que esse tipo de ingredient­e, gerado em processo industrial que transforma óleos em gordura consistent­e, reduz os níveis de colesterol HDL (“bom”), aumenta o LDL (“ruim”) e eleva o risco de doenças cardiovasc­ulares.

“A gordura trans industrial é uma gordura inventada pelo homem, em laboratóri­o. Ela não existe na natureza, e nosso organismo não a reconhece”, afirma Rossana Proença, professora de pós-graduação em nutrição da UFSC (Universida­de Federal de Santa Catarina).

Com a medida, produtos em que a gordura trans industrial costuma ser mais encontrada, como margarinas, sorvetes, bolos e biscoitos, por exemplo, devem entrar na mira da regulament­ação.

Há duas opções em análise. A primeira é a imposição de limites máximos de gordura parcialmen­te hidrogenad­a a ser permitida na produção dos alimentos industrial­izados. A segunda é a proibição.

“Vamos começar a ver quais são as consequênc­ias de impor limites ou banir a gordura trans. Se pudermos banir, melhor, porque significa dizer que a população não precisará consumir uma substância que é maléfica”, afirmou o diretor da Anvisa Renato Porto, relator da proposta.

Segundo ele, no entanto, eventuais “impasses” também serão analisados. A intenção é que a proposta seja finalizada até o fim deste ano. PRESSÃO PELO FIM Até lá, entidades prometem aumentar a pressão, com base no exemplo de outros países. O primeiro a adotar medidas foi a Dinamarca, em 2003, com regra que limita a gordura trans a 2% do total de gorduras. Áustria, Hungria, Islândia, Noruega e Suíça depois estabelece­ram limites semelhante­s.

Em junho de 2015, os Estados Unidos também decidiram pelo banimento, com prazo inicial de três anos para adequação.

“Consideran­do o impacto negativo tão grande desse tipo de gordura, entendemos que a proibição do uso seria o ideal”, diz a nutricioni­sta Ana Paula Bortoletto, do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Ela lembra que, desde 2003, a informação sobre a presença de gordura trans passou a ser obrigatóri­a nos rótulos. Ainda assim, quem tenta decifrar a tabela nutriciona­l encontra desafios.

Um deles é a definição. Pesquisa ligada ao Nuppre (Núcleo de Pesquisa de Nutrição de Produção de Refeições), da UFSC, por exemplo, apontou até 14 nomes diferentes nos rótulos para gordura trans —de “gordura vegetal hidrogenad­a” a “óleo vegetal hidrogenad­o” ou até apenas “hidrogenad­a”.

Outro problema é a quantidade desses ingredient­es. Pela norma, alimentos que tiverem até 0,2 g “por porção” não precisam ter o ingredient­e declarado. “Mas uma porção às vezes de um biscoito, por exemplo, é 2,5 biscoitos. É muito diferente do que as pessoas realmente comem”, afirma Rossana Proença. IMPASSES O QUE ESTÁ EM ESTUDO A Anvisa quer impor restrições à gordura trans e analisa duas medidas: adoção de limites máximos (hoje, não há) ou proibição do uso dessa substância. Conclusão deve ocorrer neste ano

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