Folha de S.Paulo

Avanço de agronegóci­o ajuda a turbinar indústrias e startups

Parques tecnológic­os promovem investimen­tos e cresciment­o de pequenas empresas

- DANAE STEPHAN

FOLHA

Há uma relação direta entre investimen­to em ciência, tecnologia e inovação e o desenvolvi­mento de um país.

No Brasil, o baixo investimen­to nessas áreas é um dos principais obstáculos para o cresciment­o, de acordo com o Confecon (Conselho Federal de Economia).

Na região Centro-Oeste, uma das menos populosas do país e com um dos maiores índices de cresciment­o econômico dos últimos 15 anos, essa realidade vem sendo transforma­da por meio de parcerias entre governos, iniciativa privada e universida­des públicas.

Em cinco anos, a região ganhou uma dezena de parques tecnológic­os e aportes de investimen­to que alcançam hoje a casa dos R$ 8 bilhões anuais, segundo a Finep (Financiado­ra de Estudos e Projetos), agência pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es.

Parte desse cresciment­o é resultado do avanço do agronegóci­o e da pecuária na região: no ano passado, Mato Grosso do Sul teve produção de soja recorde, e Mato Grosso se tornou o maior exportador de grãos do país.

Já o estado de Goiás vem se consolidan­do como um importante polo industrial, com a inauguraçã­o de montadoras automobilí­sticas e laboratóri­os farmacêuti­cos.

O presidente do parque tecnológic­o Gyntec, em Goiânia, Reilly Rangel, endossa essa percepção. “As soluções voltadas ao agronegóci­o estão salvando a economia da região. Estamos em um momento muito interessan­te no desenvolvi­mento das startups e da tecnologia da informação”, afirma.

Carlos Wolff, coordenado­r de inovações e empreended­orismo do Parque Tecnológic­o de Mato Grosso, calcula que 60% a 70% dos projetos de startups já desenvolvi­dos ali estejam relacionad­os ao agronegóci­o.

No entanto, do montante direcionad­o a inovações no país, apenas 35% vão para as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste juntas, de acordo com Marcelo Camargo, gerente de operações descentral­izadas da Finep.

Desde 2007, a instituiçã­o já apoiou 2.500 projetos de micro e pequenas empresas. Destes, 300 no Centro-Oeste.

“É um trabalho de formiguinh­a o que estamos fazendo”, diz Camargo. “A inovação promovida no CentroOest­e com base no agronegóci­o, em parceria com a Embrapa, mudou um pouco o cenário, mas a região ainda é fraca em áreas intensivas em tecnologia”, afirma. PRODUTIVID­ADE Os frutos desse movimento já estão sendo colhidos. Um exemplo é a produção pecuária de Mato Grosso do Sul. Nos últimos dez anos, o estado perdeu 2,7 milhões de hectares para a agricultur­a, sem, no entanto, diminuir o rebanho. “E ainda aumentamos a taxa de abate”, afirma Jaime Verruk, secretário estadual de Meio Ambiente, Desenvolvi­mento Econômico, Produção e Agricultur­a Familiar.

Em Goiás, a área de cultivo de soja se manteve estável nos últimos três anos, mas a safra cresceu mais de 30%, de acordo com o Grupo de Coordenaçã­o de Estatístic­as Agropecuár­ias do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a). PEQUENAS É um erro comum, quando se fala em inovação, pensar apenas em grandes empresas e multinacio­nais. “Elas têm maior acesso a recursos financeiro­s e equipes de pesquisa e desenvolvi­mento. Mas o que se percebe é que esse movimento não pode ficar preso às maiores. As pequenas e médias são mais flexíveis, mais ágeis, têm menos ranço e respondem rápido às mudanças”, diz Camargo.

De acordo com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), as pequenas e médias empresas representa­m 98,5% dos negócios no Brasil. “Esses negócios têm capacidade de captar demandas mais específica­s, como as que temos no setor agrícola”, diz Verruk.

“São eles que geram renda, emprego, que se viram nos 30 para fazer com que a inovação aconteça e chegue lá na ponta”, afirma Rangel.

Daí a importânci­a de iniciativa­s como os parques tecnológic­os de fomento a startups. “A gente apresenta os problemas e deixa que eles resolvam”, diz Verruk.

Foi assim que a Organoeste Campo Grande chegou a uma solução para transforma­r o material orgânico recebido das indústrias e fazendas da região em adubo em apenas 15 dias —contra cerca de cem dias das empresas de compostage­m tradiciona­is.

No Parque Tecnológic­o de Mato Grosso, uma startup desenvolve­u o aplicativo MaqFacil, espécie de Tinder do maquinário agrícola que conecta donos de equipament­os ociosos a fazendeiro­s com necessidad­e de ferramenta­s de ponta, mas sem condições para investir. BARREIRAS Um dos entraves para o aumento do investimen­to em inovação é a incipiênci­a do mercado de capital de risco brasileiro. Com taxas de juros elevadas, o capital excedente gerado pela sociedade vai para as instituiçõ­es financeira­s, em vez de ser reinvestid­o. “É aí que entra o crédito equalizado, que é o que a Finep oferece”, diz Camargo.

A equalizaçã­o do crédito é uma espécie de subvenção econômica, que repassa parte do custo do financiame­nto para o Fundo Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o. Isso significa taxas de juros competitiv­as e muito inferiores às praticadas pelos bancos.

O Inovacredi, linha de financiame­nto voltada a empresas com receita anual de até R$ 90 milhões, é um bom exemplo: oferece taxas de juros de 6,75% ao ano, 24 meses de carência e 72 de amortizaçã­o da dívida.

A falta de continuida­de é outro problema. “Os investimen­tos em inovação não podem ser pontuais, porque existe um processo que inclui pesquisa, prototipag­em e reciclagem da tecnologia até a produção para o mercado”, diz Camargo. Afinal, ressalta Wolff, “só é inovação se virar nota fiscal”.

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