Folha de S.Paulo

Desgaste em série

Com adiamento de decisão fundamenta­l, bate-boca entre ministros e corporativ­ismo, STF vive dias desastroso­s para sua imagem como instituiçã­o

-

Poucas semanas terão sido tão ruins para a imagem do Supremo Tribunal Federal quanto a que acaba de transcorre­r.

Não propriamen­te pela liminar que suspendeu a possibilid­ade de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até que a corte retome o julgamento do habeas corpus em seu favor.

Seria desejável, é verdade, que a sessão da quinta-feira (22) decidisse de vez o tema, sem ter de dedicar-se exclusivam­ente às questões preliminar­es que cabia resolver.

Esquivando-se do incômodo de uma sessão extraordin­ária e o desgaste de mais longas horas de discussão, a maioria do STF preferiu postergar o exame do caso.

Nessas circunstân­cias, foi razoável que atendesse ao pedido da defesa do ex-presidente —evitando que, antes mesmo de julgado o mérito do habeas corpus, uma decisão em sentido contrário, de instância inferior, produzisse o encarceram­ento do réu.

Tratava-se de assegurar o direito de qualquer cidadão —chamese Lula ou quem quer que seja— ao exame da pertinênci­a de uma garantia fundamenta­l.

Não, o desgaste maior ocorreu na véspera, quando o ministro Luiz Fux cedeu a pressões bem diversas daquelas decorrente­s de paixões políticas em torno da condenação ou da liberdade de Lula.

A farra da concessão irrestrita de auxílio-moradia aos magistrado­s seria examinada —e provavelme­nte contida— em sessão do STF marcada para o dia seguinte.

Eis que, atendendo ao pleito da Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB), Fux remeteu o caso a uma comissão de arbitragem, protelando sabe-se lá por quanto tempo a vigência de um benefício caro e indefensáv­el.

Com razão, o ministro Gilmar Mendes manifestou inconformi­smo diante desse adiamento, observando que com frequência a cassação de prefeitos em pequenas cidades se dá por terem autorizado despesas menores.

Com razão? A crítica surgiu em meio a um longo discurso, por ocasião de um julgamento em tudo alheio àquele tema, no qual o ministro prodigaliz­ou indiretas e provocaçõe­s a vários de seus colegas. Além de Fux, a preleção atingiu decisões de Edson Fachin, de Cármen Lúcia e de Luís Roberto Barroso.

Este último reagiu de forma claramente ofensiva, fugindo da serenidade que seria inteligent­e e adequado manter na mais alta corte do país. Não resta dúvida de que Gilmar Mendes exibe, sempre que pode, o tom bilioso, beligerant­e e autoritári­o apontado por Barroso.

Ambos saem perdendo do entrevero, de todo modo. Não mais, porém, que o Supremo Tribunal em seu conjunto, entre adiamentos decisórios, mudanças bruscas de jurisprudê­ncia, palavrório ornamental, subserviên­cia corporativ­a, pausas para o cafezinho e voos inadiáveis para cerimônias e encontros dentro ou fora do país.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil