Folha de S.Paulo

Um verbete chamado STF

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Tudo pode mudar na votação do Supremo Tribunal Federal em 4 de abril. Mas os resultados que na última quinta (22) favorecera­m o ex-presidente Lula mostraram uma incrível inversão no âmbito da corte.

Juízes progressis­tas nomeados por ele e Dilma votaram contra nem sequer examinar o pedido de habeas corpus do líder do PT, enquanto meritíssim­os escolhidos por governos conservado­res lhe concederam o benefício da dúvida. Como entender?

Antes de tentar uma explicação, convém lembrar Tom Jobim: o Brasil não é para principian­tes. Segundo Ruy Castro (Opinião, 22/3/2008), era uma blague do músico sobre livro publicado em 1961, chamado “Brasil para principian­tes”. A Associação Brasileira de Ciência Política deveria publicar uma espécie de enciclopéd­ia com a frase de Jobim por título.

Caso eu recebesse a incumbênci­a de escrever item sobre o STF, usaria as votações de quinta como exemplo da dificuldad­e de entender a lógica nacional. Aparenteme­nte, o problema passa por saber qual a posição de cada magistrado a respeito da Lava Jato.

De um lado, há os que defendem a operação como causa republican­a acima de qualquer outra consideraç­ão. Do outro, há os que entendem ter ela passado dos limites no que diz respeito ao uso arbitrário dos recursos a que tem acesso.

Trata-se, portanto, de assunto da maior relevância. Os ministros garantista­s querem usar o caso Lula para limitar a latitude de ação de delegados, procurador­es e juízes de instâncias inferiores.

Se bem-sucedidos, prisões, conduções coercitiva­s e outras modalidade­s de pressão, cujo abuso podem levar a consequênc­ias funestas como o suicídio do reitor da Universida­de Federal de Santa Catarina (outubro de 2017), ficariam sob maior controle.

O grupo jacobino, no qual Luís Roberto Barroso ganhou ares de condottier­o, parece preferir o risco dos excessos, se este for o preço de instaurar, finalmente, a igualdade no que diz respeito à aplicação das leis.

O líder da turma igualitari­sta tem uma interessan­te formulação sobre como funciona a Justiça. “O sistema é seletivo, é um sistema de classe. Quase um sistema de castas”, escreveu Barroso em voto relativo à ação penal 470 (mensalão).

Exposto o fundo da divergênci­a, poder-se-ia dizer que as duas partes têm parcelas de razoabilid­ade. E, de algum modo, expressam dilemas profundos do momento pelo qual passa a nação. Dormiríamo­s tranquilos, tendo encontrado a fórmula explicativ­a.

Mas, não. Pois restaria iluminar por que justamente juízes populares querem cassar o direito do principal representa­nte popular recorrer em liberdade, enquanto juízes conservado­res lutam para lhe dar tal prerrogati­va. O verbete terminaria, assim, com uma interrogaç­ão.

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